Aterro sanitário de Abrantes sob suspeita

O Instituto de Resíduos diz que vai mandar fazer uma auditoria técnica ao aterro sanitário de Abrantes, para avaliar a forma como aquela infra-estrutura está a ser gerida pela empresa Solurbe, e apurar se se confirmam as irregularidades de que têm vindo a falar trabalhadores entretanto despedidos.Os problemas do aterro da Amartejo - a associação de municípios para o tratamento dos lixos que junta as câmaras de Abrantes, Sardoal, Gavião e Mação - foram tornados públicos quer através de denúncias feitas por antigos trabalhadores da Solurbe (uma empresa do grupo Lena) quer, mais recentemente, pelo PSD local, cujo candidato às eleições autárquicas, Pedro Marques, deles fez eco numa conferência de imprensa na segunda-feira passada.Hoje estes problemas farão parte do "dossier" que a população da Barrada e de Concavada, as duas localidades mais próximas do aterro, querem entregar ao Presidente da República, que se deslocará a Abrantes para a inauguração do cine-teatro S. Pedro, remodelado por uma empresa que também faz parte do grupo Lena.Algumas das alegadas irregularidades eram do conhecimento da Câmara de Abrantes há um mês. Mas só na reunião de dia 18 de Junho, depois de tomar conhecimento da existência de um auto de notícia contra a Solurbe elaborado pela Direcção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território (DRAOT) de Lisboa e Vale do Tejo a autarquia deliberou "solicitar à DRAOT que proceda a um rigoroso inquérito".Ao Instituto de Resíduos, bem como às câmaras que fazem parte da Amartejo, chegara já uma carta de uma engenheira do ambiente, Elsa Jofre, que estagiara no aterro da Barrada entre Março e Junho de 2000. Esta técnica apontava várias "ilegalidades cometidas pela Solurbe" - à qual está confiada a gestão deste aterro e de outros no país, entre eles o que abrange os municípios de Alter do Chão, Avis, Fronteira, Ponte de Sôr e Sousel.Elsa Jofre diz ter presenciado e tido conhecimento de várias irregularidades, que sublinha ter comunicado aos responsáveis do aterro - o que terá estado na origem do seu despedimento. Das condutas inadequadas fazem parte "toneladas de pneus enterradas na célula destinada a receber resíduos sólidos urbanos, por ordem do director técnico da empresa". As telas de revestimento desta célula "tinham rupturas que não eram reparadas, dado que o director mandava tapá-las com terra, alegando que a reparação custava muito dinheiro".Além destas práticas, Elsa Jofre dizia ter presenciado outras, que em seu entender configuram fraude. "Os porteiros conferentes [que recepcionam os resíduos à entrada do aterro] receberam ordens para colocar peso a mais nas guias de pesagem". "À minha frente vi ser colocada uma tonelada a mais", declara. Isto teria como objectivo aumentar os lucros, uma vez que tanto as câmaras como os restantes clientes do aterro pagariam mais do que o devido pelos lixos enviados. "O aterro tem uma célula de resíduos industriais banais, pertença da Solurbe, mas grande parte desses resíduos estão a ser enterrados juntamente com os resíduos sólidos urbanos na célula que pertence aos quatro municípios", assegurou ainda Elsa Jofre. "Com este procedimento, rapidamente se esgotará a capacidade da célula das câmaras, que podem ter de vir a pagar mais à Solurbe para depositar os seus lixos na célula que é da empresa".As acusações são corroboradas por um outro funcionário entretanto despedido, Augusto Rosa, que ali prestou serviço durante mais de dois anos e que admite ter ele próprio participado em práticas irregulares. Desde enterrar toneladas de pneus e tapá-los com terra na célula de resíduos sólidos urbanos a receber lixos de origem desconhecida - ou que não eram aceites noutros aterros e que ali chegavam durante a noite, sem a respectiva guia de acompanhamento do Ministério do Ambiente -, até tapar com terra as rupturas das telas impermeabilizantes do aterro, Augusto Rosa assume ter feito "muitas coisas incorrectas, que lhe eram impostas" pelos patrões.Tem agora um processo disciplinar em cima, no qual é acusado, entre outras coisas, de "ter telefonado para o Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho", queixando-se das condições de segurança em vigor no aterro.As explicações dadas pelo director técnico da Solurbe para o despedimento deste trabalhador são vagas: "Era um funcionário que nunca revelou ter condições para se adaptar à filosofia da empresa", disse Paulino da Silva. Já quanto à interrupção do estágio de Elsa Jofre, aquele responsável refere apenas: "A Solurbe entendeu por bem cancelar o estágio, porque houve problemas", sem explicitar quais. As denúncias, alega, reflectem apenas o "despeito" dos funcionários despedidos.Em Maio a DRAOT lavrou um auto de notícia contra a Solurbe, por esta ter recebido no aterro resíduos contendo amianto - algo que, dizia a DRAOT, "violava a lei". O vereador Júlio Bento, responsável pelas obras e pelo pelouro do ambiente, nega o depósito deste produto."O auto de notícia não refere nada sobre amianto", diz Júlio Bento. Foi o director técnico da Solurbe quem confirmou ao PÚBLICO que o amianto, contido em travões de automóveis e proveniente da fábrica Robert Bosch, foi depositado. Paulino da Silva sublinha que "a Solurbe tinha uma autorização do Instituto de Resíduos", um facto que a directora deste organismo, Dulce Pássaro, confirma."Há dois anos o instituto autorizou que os resíduos de amianto fossem depositados no aterro sanitário de Abrantes, porque nessa altura havia bloqueio às exportações. Mas exigiu à empresa que os possuía que tomasse precauções", salientou Dulce Pássaro.O que não consegue explicar é porque razão a DRAOT desconhecia a existência de tal autorização, tendo por isso lavrado um auto, com vista a autuar a Solurbe. "Talvez por descoordenação entre as instituições", alvitra.Da visita da DRAOT em Fevereiro passado ao aterro resultara um relatório no qual os técnicos referem outros problemas: "A Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) não se afigura cumprir o fim para que foi construída, uma vez que o caudal dos lixiviados, quando chove, não permanece o tempo suficiente na ETAR. Ou seja, as águas residuais voltam ao exterior sem estarem devidamente tratadas."Já então os técnicos da DRAOT consideravam ser necessária uma auditoria. A directora do Instituto de Resíduos confirma que as suspeitas levantadas preocupam as entidades responsáveis pelo Ambiente, até porque as denúncias podem lançar o descrédito sobre a Solurbe."É muito importante que haja credibilidade, tanto mais que a empresa é nossa parceira noutros aterros", sublinha Dulce Pássaro.Com vista a apurar a verdade, o instituto efectuou algumas diligências, embora elas não tenham sido "suficientemente tranquilizadoras", como sucedeu com a visita feita por um técnico ao aterro, no passado dia 25 de Maio, durante a qual não foi possível verificar nem a ruptura das telas, nem os alegados depósitos de lixos de proveniência desconhecida. E, menos ainda, as alegadas ordens superiores seja para aumentar os pesos dos resíduos descarregados, ou para esconder problemas do aterro."Essas questões extravasam os problemas técnicos e terão de ser tratadas noutra sede, tal como os despedimentos e eventuais manobras de intimidação dos funcionários", refere Dulce Pássaro.A directora do Instituto de Resíduos garantiu ontem que irá reunir-se com a Direcção Regional do Ambiente, entidade à qual já foi solicitada uma inspecção, de modo a "analisar qual a forma de apreciar os aspectos não técnicos" da gestão daquela infra-estrutura.

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