388 portugueses mortos na África do Sul em quatro anos

Foto
Os jovens portugueses estão a abandonar o país, enquanto os mais velhos apelam ao Governo Else Kritzinger/EPA

Noel Bernardo Nunes é 388ª vítima portuguesa da violência na África do Sul, nos últimos quatro anos. Natural da Madeira, com 65 anos de idade, 40 dos quais vividos naquele país, foi assassinado no sábado quando, cerca da meia-noite, encerrava o seu restaurante na cidade do Cabo. "Morreu instantaneamente com uma facada certeira na zona do coração", lamenta José Quintal, presidente da Casa Social da Madeira, em Joanesburgo.

Os festejos de Nossa Senhora de Fátima promovidos por esta colectividade, a maior e mais antigo dos 33 clubes portugueses existentes nesta área consular, foram interrompidos para cumprir um minuto de silêncio em memória de Noel Nunes que até 1995 viveu nesta última cidade. Inconformado com a morte do seu conterrâneo, Quintal reclama intervenção urgente das autoridades portuguesas junto do governo da África do Sul. "Não nos podemos limitar a, resignados, irmos apenas contando o número de vítimas portuguesas", sendo nove nos últimos 18
dias: dois na cidade do Cabo, um Lindley e os outros em Joanesburgo.
Um memorial aos portugueses mortos será inaugurado a 3 de Junho, no Brentwood Park de Benoni, por iniciativa da Igreja de Nossa Senhora de Fátima, dirigida pelo padre Carlos Gabriel, o principal impulsionador da "marcha contra o crime", manifestação que dividiu a comunidade portuguesa e provocou a indignação do governo sul-africano que a conotou com grupos minoritários pró-apartheid. O monumento, a descerrar no âmbito das comemorações do Dia de Portugal, incluirá a fotografia de todos os 388 portugueses mortos nos últimos quatro anos na África do Sul.
Apesar da dureza das estatísticas, não confirmadas oficialmente, Quintal ressalva que a comunidade portuguesa não tem sido discriminada nem é vítima de qualquer sentimento racista. "A insegurança é generalizada", reconhece.
Estimada em 450 mil indivíduos, na sua maioria provenientes da ilha da Madeira, a comunidade portuguesa dedica-se sobretudo ao comércio. E devido à localização dos seus estabelecimentos em zonas mais isoladas e difíceis de controlar, estes emigrantes têm ficado mais expostos aosdelinquentes que, concentrados nesses bairros habitados exclusivamente por negros de menores recursos económicos, se envolvem em violentas actividades tendo o furto como objectivo principal.
A onda de violência tem provocado o êxodo sobretudo de muitos jovens luso-descentes que, como salienta Quintal, "procuram um futuro mais seguro" na Inglaterra, Cánada e Austrália, deixando seus progenitores ainda mais apreensivos com a continuidade dos seus negócios de cada vez mais difícil transacção. As novas gerações "não acreditam na África do Sul" e, com deficiente domínio do idioma de Camões, "não querem ir para a Madeira porque a terra natal de seus pais não lhes propociona melhores condições", lamenta o dirigente associativo.
Para evitar o crescente regresso de portugueses, Quintal propõe que o governo da República intensifique os esforços de cooperação com as autoridades sul-africanas no âmbito da segurança e policiamento, já disponibilizada pelo ministro Jaime Gama. Além disso, sugere um maior apoio às famílias das vítimas da violência.
Numerosos portugueses a viver situações angustiantes têm, por sua iniciativa, consultado centros de crise ou instituições do foro psiquiatrico à procura da desejada estabilidade emocional, revelou o psicólogo Carlos Duarte ao Século de Joanesburgo. Este especialista do Weskoppies Hospital em Pretória, tem alertado para as graves consequências dos traumas que a criminalidade provoca na comunidade portuguesa na África do Sul.
Ao incidir a análise "nos resquícios de uma cultura de violência que se desencadeou para se pôr termo ao sistema desumano do apartheid", Carlos Duarte diz que, "ao emergir o nova África do Sul democrática e multirracial, a espiral do crime contra cidadãos inocentes instalou-se na sociedade civil e começou a afectar o tecido social sul-africano, a provocar perda de vidas e a provocar graves prejuízos na economia e na própria sociedade".
Em resultado, conclui o psicólogo de origem portuguesa, o assassínio de comerciantes e industriais veio, em alguns casos, desencadear o colapso desses negócios, com o consequente desemprego para numerosos trabalhadores tanto nesses locais de serviço como nas próprias residências das vítimas. "A desarticulação violenta do quotidiano traz mazelas que se podem instalar na própria sociedade e criar um clima de medo ou até pânico em relação ao presente e até descrença no futuro que têm de ser devidamente tratados". Caso contrário, será, por exemplo, difícil evitar o regresso em massa dos portugueses.

Sugerir correcção
Comentar