Esta é a vossa juventude

O terceiro projecto da SIC na TV Cabo pretende ser um canal "alternativo e politicamente incorrecto" para a faixa entre os 15 e os 34 anos. A SIC Radical falha o alvo por baixo, mas é um espelho de uma geração mal servida pelas televisões generalistas. E tem Howard Stern. E o South Park.

Quando a SIC anunciou o lançamento do seu terceiro canal na TV Cabo (depois da SIC Gold e da SIC Notícias), pouco se sabia, excepto que iria ser um canal para a "juventude". O nome dava azo a especulação: "Radical", no léxico SIC, está associado a meninas bronzeadas a apresentar "clips" de desportos acabados em "board". A SIC Radical não é isso, embora o Portugal Radical faça parte da sua grelha de programação. Embore haja espaço para isso na TV Cabo (porque o despersonalizado e incoerente Sol Música não o preenche), a SIC Radical também não é a MTV portuguesa. O novo canal passa vídeos, mas não tem a música como eixo principal (é certo que a MTV hoje em dia só passa um "videoclip" de duas em duas horas, mas o "M" continua, teoricamente, a significar "música"). O que a SIC Radical quer ser é "um canal alternativo, politicamente incorrecto, atento às novas tecnologias, aberto a várias tribos de uma geração que não se revê na TV generalista", como se lê no comunicado de lançamento do canal. A SIC Radical é "dirigida a um 'target' [sic] específico - dos 15 aos 34 anos".O "target" do novo empreendimento de Balsemão & Cia. pode ser essa faixa dos 15 aos 34, mas nesse caso o "target" falha. A avaliar pelas primeiras três semanas da programação, o alvo da SIC Radical estará mais entre os 10 e os 25. Afinal, as pessoas com mais de 25 anos já estão a fazer coisas como trabalhar, ter filhos e pagar impostos, tarefas incompatíveis com passar várias horas por dia a ver o programa de Howard Stern.É, contudo, verdade que a SIC Radical oferece uma alternativa a um público mal servido pelas televisões generalistas. Alguns dos seus programas são indubitavelmente "politicamente incorrectos" e há nichos para "vários tribos", embora as "novas tecnologias" não estejam muito aparentes (se a SIC Radical tem um site na Internet, ele está bem escondido).O contributo luso. A única presença da SIC Radical na Net é o site do seu "programa-âncora", Curto-Circuito (www.curtocircuito.tv). O programa é fundamentalmente o "talk show" do extinto CNL, com algumas alterações no formato, apresentado por Rui Unas (que é assim definitivamente entronizado como o "apresentador para a juventude" da televisão portuguesa). A produção nacional da SIC Radical inclui também o tal Portugal Radical e o Templo dos Jogos (dedicado a jogos de vídeo). Mas não é pelo produto nacional que a SIC Radical traz inovações.Beavis Simpson. Na ficção, a SIC Radical recupera uma série da casa-mãe, O Sexo e a Cidade, com Sarah Jessica Parker. Mas a grande novidade é South Park, desenhos animados que justificam plenamente o título "série de culto". South Park é um cruzamento entre a sátira de costumes da sociedade americana dos Simpsons com o estilo boçal de Beavis & Butthead. Tem um humor irreverente a resvalar com frequência o pueril, e repleto de piscadelas de olho à cultura popular norte-americana, dificilmente traduzíveis (felizmente, a SIC Radical não optou pela dobragem).A série passa-se na terreola de South Park (uma versão ainda mais deprimente da Springfield dos Simpsons) centra-se num grupo de garotos cujas aventuras iconoclastas e linguagem repleta de palavrões causaram celeuma nos EUA. A animação (muito minimal) e os enredos (muito violentos, um dos garotos morre em todos os episódios de formas escabrosas) são mais Beavis & Butthead que Simpsons, mas South Park tem uma enorme legião de fãs. Banzai!!!!!!!!!! Desenhos animados muito diferentes são os do Espaço Banzai!, que exibe manga - desenhos animados japoneses. São produtos semelhantes ao Dragonball, aqueles bonecos que, durante um breve período, se tornaram num impressionante fenómeno de popularidade.Os manga não são grandes prodígios da arte televisiva. Todas as personagens têm os mesmos olhos e as mesmas expressões, a animação é poupadinha (o mesmo "frame" dura quatro segundos ou mais) e os argumentos, embora bizarramente complexos, não costumam fazer grande sentido. Há manga de grande qualidade, mas esse não é bem o caso dos de Espaço Banzai, se bem que os exibidos pela SIC Radical sejam superiores ao Dragonball ou ao Pokémon.O rei do lixo. A parte do "politicamente incorrecto" do manifesto da SIC Radical está assegurada por dois programas. Um é Eduardo Mãos de Peúga (feliz tradução de "Ed the sock"), um "talk show" apresentado por uma marioneta-peúga que se diverte com piadas imbecis e de mau gosto."Imbecil" ou "mau gosto" são epítetos insuficientes para classificar a pérola da SIC Radical: Howard Stern. Aliás, não há palavras para descrever Howard Stern, o apresentador do programa de rádio mais ultrajante dos Estados Unidos. A SIC Radical passa uma versão filmada do programa de Stern, e quem achar que o Big Brother é a televisão a bater no fundo tem de ver isto. Exemplos dos últimos episódios: Stern a humilhar um indivíduo que se queria fazer passar por Roberto Benigni; Stern a medir os seios de uma rapariga que discutia com uma amiga qual o seu verdadeiro número de "soutien" (comentário do apresentador: "Adoro o meu emprego").P.S: Ao tempo de escrita deste artigo, 13h de terça-feira dia 15, o Curto Circuito estava a mostrar um número de "striptease" masculino. "'Striptease?!'" - pergunta-se, entre o chocado e o divertido, a mãe de uma jovem dentro do 'target' da SIC Radical - "a esta hora?!" Sim, esta é a vossa juventude.

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