Oito portugueses mortos na África do Sul em duas semanas
Na memória ainda está o homicídio de um agricultor conterrâneo, na passada quinta-feira, à beira da estrada, quando seguia de camião. Nas palavras do irmão, o agressor agarrou Dinis de Araújo "pela nuca, pôs a pistola na boca, disparou e roubou o dinheiro", cerca de 1200 contos. "Foi o oitavo em onze dias, um na Cidade do Cabo, um em Lindley, e os outros em Joanesburgo", resume, sem gaguejo, José Quintal. A preocupação aumentou entre os 450 mil portugueses radicados "no canto perdido" do continente negro.
Para muitos, a solução passa cada vez mais por nova viagem. Os mais novos escolhem normalmente Inglaterra, os mais velhos têm preferido o Canadá, a Austrália ou Portugal. Como Luís Bento, "48 anos de África", um bem sucedido empresário da cidade de Midelburgo. Há um ano, olhou para a filha de 14 anos e resolveu deixar o "país do coração". Vendeu os 18 camiões de transporte de gado ao desbarato, mais a pastelaria, e regressou a Lisboa de lágrimas nos olhos. "O crime não tem emenda. E às tantas uma pessoa farta-se dos truques do dia-a-dia para se safar - nos semáforos não encostar o carro ao passeio, deixar espaço para a viatura parada em frente, trancar sempre as portas, esse tipo de coisas". Com 53 anos, reafirma, contudo, a beleza africana, o mítico vício que o faz lá voltar de três em três meses. "Os cheiros, a luz, o progresso. Portugal é Terceiro Mundo ao pé daquilo. Aquilo é um país a sério".
Fonte do gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, confirma o regresso crescente dos portugueses, avaliando que o fenómeno se iniciou há cerca de cinco anos. "Tem-se verificado, de facto, nos últimos anos, um movimento maior de registos consulares e de obtenção dos respectivos documentos de viagem", clarificou, não sabendo precisar se esse fluxo aumentou este ano.
Para José Quintal, é óbvio que não há nenhum sentimento racista relativamente à comunidade portuguesa: "A insegurança é generalizada". Acontece que a maior parte é comerciante, lida com o público, e isso faz dela um alvo privilegiado. "Por isso, os homens dos supermercados - é que há cá muitos - andam com metralhadoras. Senão, não se safam", concretiza. Esta "fatalidade" não invalida, porém, que o Governo de Lisboa tenha que agir rapidamente, e "não pensar que é mais um que foi, de cada vez que morre alguém", esclarece. O presidente da Casa da Madeira critica, sobretudo, a postura do cônsul-geral. "Ele tem três guarda-costas no edifício onde trabalha, mais três em casa, mas a população não. É-lhe fácil relativizar tudo isto", desabafa. Quanto a Pretória, José Quintal é bem mais benevolente. "Eles têm 120 mil polícias, e agora formaram mais 15 mil. Eles têm estado atentos".
Ainda assim, na passada sexta-feira, um dia depois da morte de Dinis de Araújo, durante a sua viagem por Marrocos, Jaime Gama reiterou a disponibilidade de Portugal cooperar com a África do Sul na área do policiamento. Para trás parecem já ter ficado os desaguisados com o Governo de Pretória. Lembre-se que, em Fevereiro último, o ministro da Segurança sul-africano reagiu violentamente a uma manifestação de portugueses contra a violência. O político do ANC acusou a comunidade de estar ao serviço da oposição, e de ser movida por sentimentos racistas, relegados pelo "apartheid".