"O beirão que todos gostam"

Na origem de tudo há um xarope e também uma história de amor entre um caixeiro e a filha de um farmacêutico. Mas a alma do negócio é um homem, José Carranca Redondo. "Self-made man", advogado em causa própria, publicitário com visão. O Licor Beirão é ele - há 61 anos

Está ainda de parabéns, porque há uma semana completou 85 anos. Chama-se José Carranca Redondo e continua à frente dum negócio com 61 anos de actividade: a fabricação do Licor Beirão - O Licor de Portugal. Mas as qualidades deste homem determinado e destemido não se ficam por aqui...Nasceu na vila da Lousã e é aí que quer acabar os seus dias. "Aqui, sendo provinciano, continuo sempre a aprender, se fosse para Lisboa embrutecia."Certezas de um homem com a escola primária e que, aos 11 anos, começou a trabalhar na fábrica de papel Prado, para sobreviver. Um ano depois, ingressou na fábrica nas traseiras da farmácia Serrano, onde eram produzidos os xaropes medicinais da Lousã.Ao mesmo tempo, foi vendendo jornais, máquinas de escrever, livros e outras coisas mais. "Era um cigano ambulante", diz.Amealhou dinheiro e a 11 de Março de 1940 comprou a fábrica ao patrão. Arriscou e ganhou.No entanto, não basta ter um bom produto, é preciso saber vendê-lo, e José Carranca Redondo cedo se apercebeu disso. "É na cama que mais trabalho, aí é que me vêm as ideias. Além disso, ando sempre com uma agenda e duas canetas, para o caso de uma delas falhar..."Na altura em que pegou na fábrica, o licor era vendido aos retalhistas, "a publicidade era uma coisa de lunáticos", mas José Carranca Redondo teve visão e começou a publicitar o seu licor nas estradas, em locais estratégicos, perto de curvas perigosas e rectas muito longas. Por quê na estrada? "Porque na estrada tanto passa o pedinte como o príncipe."Mas em 1959, uma prescrição legal, assinada pelo director da Junta Autónoma de Estradas (JAE), proibiu os cartazes publicitários nas estradas, com base em estudos realizados em França e Inglaterra que concluíam que estes eram responsáveis pelos acidentes rodoviários. José Carranca Redondo deu a volta à questão e substituiu-os por painéis abstractos com tinta reflectora que chamavam a atenção para curvas perigosas e rectas compridas. Na altura, foi uma novidade.Intimidado pela JAE para os retirar, bateu o pé e foram-lhe penhoradas 10 caixas de licor...Em 1961, estalou a guerra em Angola e a Câmara Municipal de Coimbra ordenou-lhe que retirasse os painéis com a frase "Angola é Portugal" que entretanto colocara. Mais uma vez, bateu o pé, e começou uma longa luta com os tribunais. Foi chamado 94 vezes, foram-lhe aplicadas multas entre os 1500$00 a 2000$00. Não pagou, e acabou por dispensar o advogado e defender-se a si próprio. Apresentou dados estatísticos sobre o aumento de acidentes rodoviários desde que os ditos cartazes tinham sido arrancados. Alegou também, depois de devidamente aconselhado por juízes, que não podia ser acusado com base numa lei que não fora publicada no "Diário da República". Tornou-se advogado em causa própria: "Por que haveria de estar a pagar a outro para dizer aquilo que eu já sabia de cor?" Nunca mais perdeu um processo...Mas foi um braço-de-ferro renhido, que chegou mesmo ao ponto de uma companhia de seguros se oferecer para pagar 100 contos a eventuais vítimas de acidentes rodoviários junto aos seus cartazes. É com orgulho e nostalgia que lembra todos estes episódios.Por causa do Licor Beirão, entrou noutra actividade - a publicidade. Começou a ser contactado por vários vendedores que, impressionados com os seus cartazes, lhe começaram a fazer encomendas. Chegou a abrir uma agência de publicidade em Lisboa que liderou o mercado de cartazes nas estradas durante dez anos. O nome da empresa? "José Carranca Redondo", claro! "Temos de pôr o nosso nome em tudo o que fazemos na vida, de bem e de mal."Usou o facto de António de Oliveira Salazar ser beirão para mais um "slogan" do seu licor: "O beirão de que todos gostam". Contaram-lhe que Salazar sorriu quando viu o cartaz... Fez também cartazes de propaganda política para Marcelo Caetano. Acabaram por ser devolvidos, nunca soube por quê, mas guarda