Diocese de Baucau contra cerco à língua portuguesa

Fazendo jus à reputação de afabilidade que o rodeia, o bispo Basílio do Nascimento ofereceu este domingo, 23, em Baucau, a mais calorosa de quantas recepções aguardaram a delegação do Centro Nacional de Cultura (CNC), de visita a Timor Lorosae. A mais calorosa e também a mais frontal. Mal toda a gente se acomodou na acanhada sala da residência (ele próprio passou cadeiras aos visitantes) e enquanto o pessoal distribuía café por cada uma das três dezenas de presentes, o bispo escolheu o tema da reconstrução para abrir uma série de "quadros da vida na zona Leste", onde se situa a sua diocese e habita mais de metade da população do território. "Infelizmente, reconstrução é coisa que não se vê. Já lá vão dois anos e tudo caminha lentamente. Aqui o tempo é uma despesa, ao contrário da máxima inglesa que lhe chama dinheiro". Desfia então o longo rosário de queixas concretas contra a "administração pesada" da UNTAET, que tudo decide em Díli, "cidade confusa com aquele número todo de carros das Nações Unidas" (ver caixa). O bispo não vê "aplicação prática de forma real daqueles milhões de dólares que a comunidade internacional deu". Há boas ideias, reconhece, "mas depois não há decisão". E distingue dois mundos distintos no Timor de hoje: "o mundo de Díli ou o mundo da UNTAET, e o mundo real timorense". Jacinto Tinoco, antigo responsável da logística da Missão Portuguesa, agora conselheiro pessoal do bispo Basílio, vai mais longe e dispara logo de entrada numa primeira intervenção na presença do bispo e que se desenvolverá ao longo de toda a tarde, numa visita guiada por Baucau e Lautém: "Vivemos hoje apenas num regime de autonomia especial. Só faltam os serviços de segurança indonésios". A razão de queixa principal deste optometrista timorense, regressado ao país em busca da família em 1999 depois de um longo exílio que o levou a Portugal e ao Brasil, incide num alegado "pavor" da UNTAET de que se consolide a posição timorense no mundo da lusofonia. "Só não vê quem não quer. Para eles é preciso acabar com os sinais da presença portuguesa aqui". "Eles" são principalmente a Austrália, diz, contando como um insigne universitário australiano, Geoffrey Hull, depois de defender a opção do português como a mais adequada, numa intervenção perante o congresso do CNRT, em Agosto passado, encontrou as malas à porta do quarto que lhe havia sido oferecido na missão do seu país, vendo-se forçado a procurar hotel. Mas o conselheiro de D. Basílio inclui na mira a máquina em geral das Nações Unidas no território. "A agenda internacional está a ser implantada e não vai ser fácil contrariar". Dá como exemplo um obra de construção civil em Manatuto, encomendada pela diocese para viabilizar o ensino de português e que foi parada por duas vezes com o argumento de que os professores de português já não iam chegar. Hoje, diz, a língua portuguesa está a ser ensinada "extra-oficialmente", quando "a grande maioria dos timorenses apoia a decisão do CNRT que a escolheu como língua oficial".As reticências do bispo e as acusações do seu conselheiro à forma como Timor está a ser administrado pela equipa de Sérgio Vieira de Mello - críticas de que ficam excluídos os timorenses que integram o governo - são compartilhadas pelo pároco de Laga, João de Deus. A trabalhar há 43 anos em Timor, este missionário salesiano e apoiante histórico da Resistência afirma-se "desconsolado" com o caminho seguido neste período de transição, em que vê os funcionários internacionais agirem "por interesse". À porta da igreja onde alguns fieis o esperam já para a missa da tarde, João de Deus aponta uma única excepção, que o faz temperar o desconsolo: "Portugal está a amar Timor mais do que o dever lhe impunha". Por isso, e apesar de tudo, declara-se optimista. "Os portugueses estão a 150 por cento", diz ao PÚBLICO, à despedida, as lágrimas a querem rebentar-lhe nos olhos.

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