O desconcertante mundo da agorafobia

Luz Franco é actriz. Foi numa ida ao cinema que teve o seu primeiro ataque de pânico, há 29 anos. "De repente, comecei a tremer da cabeça aos pés e não conseguia articular uma palavra. Estava gelada, a suar frio, com uma sensação no peito e na cabeça que não consigo descrever. Pensei que ia morrer." A partir daí, os ataques sucederam-se, um após outro, e começou a evitar ir a diversos locais, com medo de se sentir mal. Até que descobriu finalmente o que tinha. Sofria de ataques de pânico e agorafobia. Agorafobia vem do grego "agora" e "phobos", significando o medo dos espaços públicos. No entanto, é mais complexo do que isso. As pessoas com este tipo de perturbação temem situações como estar sozinhas fora de casa, estar no meio de uma multidão, viajar de automóvel, comboio, autocarro ou avião, estar numa ponte ou elevador, entre tantas outras. A razão é simples: têm medo de ter um ataque de pânico. "Tudo começa após o doente ter tido algumas crises de pânico. O seu medo passa a ser, não o medo de andar de autocarro, por exemplo, mas o medo de se sentir mal nesse local e não ter ninguém para o socorrer. Por isso passa a evitá-lo. A agorafobia é este comportamento de evitamento", explica José Pinto Gouveia, chefe do Serviço de Psiquiatria dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) e director da Consulta de Psicoterapia Comportamental do mesmo serviço.Normalmente, se acompanhados por familiares ou amigos, os agorafóbicos conseguem deslocar-se aos locais nos quais têm medo de ter um ataque de pânico. "Isto pode servir para manter a própria agorafobia", diz Fernando Pocinho, psicólogo clínico e psicoterapeuta comportamental e cognitivo da Clínica Psiquiátrica dos HUC. "O indivíduo habitua-se a este tipo de apoio e torna-se emocional e psicologicamente dependente dos outros."Para além disso, e para se sentirem mais seguros nas suas deslocações, "estas pessoas escolhem não o caminho mais curto, mas um trajecto onde possa haver uma farmácia, um posto de telefone público, uma esquadra de polícia ou um hospital": "Na eventualidade de se sentirem mal, pensam que pode haver alguém que os ajude", explica Fernando Pocinho.Tudo isto torna difícil para os agorafóbicos fazer uma vida normal. "O seu dia-a-dia torna-se muito incapacitante e limitado. Isto porque eles antecipam o mal que ainda não lhes aconteceu", afirma o psicólogo. No entanto, salienta Luz Franco, "ter pânico não é sinónimo de incapacidade nem de anormalidade"."Fora da sua área de preocupação, o agorafóbico pode ser uma pessoa muito segura de si em diversas áreas. Normalmente, ele tem um território de segurança no qual se move com relativa tranquilidade. O mais restrito é a sua casa, mas há agorafóbicos que na sua rua, bairro, ou mesmo cidade, conseguem andar normalmente", diz José Pinto Gouveia. Quando o facto de evitar certos locais ou situações começa a interferir de modo sistemático na sua vida, o agorafóbico recorre à ajuda médica. O tratamento, nestes casos, é composto por duas vertentes: por um lado, medicamentos que combatem a ansiedade e a depressão; por outro, terapias cognitivas e comportamentais. Cognitivas, porque procuram mudar o significado que as pessoas atribuem aos seus medos; comportamentais, porque tentam, gradualmente, mudar o comportamento das pessoas com este tipo de perturbação."Procura-se fazer com que a pessoa reinterprete os seus pensamentos e desdramatize o que lhe vai dentro da cabeça. Ao mesmo tempo, é pedido à pessoa que se exponha de modo gradual à situação que teme, constatando que não é por se expor que algo de mal lhe acontece. É preciso que a pessoa aprenda a construir pensamentos mais saudáveis e a vencer o medo enfrentando-o, substituindo-o por conhecimento", explica Fernando Pocinho.Em cerca de 70 a 80 por cento dos casos, as pessoas ficam completamente curadas. Mas Luz Franco não acredita na sua cura e fazer uma vida normal não é fácil. "Deixei de inventar desculpas. Tenho ataques de pânico e sou agorafóbica. Se vejo que não sou capaz de ir a determinado sítio, digo abertamente o que se passa comigo."

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