Ministério Público pede 165 mil contos a ex-autarca e adjunto

Um ex-presidente da Câmara de Salvaterra de Magos e um engenheiro civil, seu ex-adjunto foram acusados pelo Ministério Público de peculato e de fraude na obtenção de subsídio na forma continuada. O antigo edil está ainda acusado de um crime de desvio de subsídio continuado e aos dois é reclamada uma indemnização de 165.119 contos ao município de Salvaterra e ao Estado português.A acusação envolvia também um ex-vereador, responsabilizado por fraude na obtenção de subsídio, mas foi aceite um requerimento em que reclamou a prescrição dos factos que lhe diziam respeito.Em causa estão alegadas situações de "empolamento" de custos de obras financiadas por fundos comunitários, de utilização de algumas destas verbas para fins diferentes dos previstos e de obras não concluídas e a transferência para o Fundo Social dos Trabalhadores (FST) da câmara de verbas que não terão sido devidamente contabilizadas e justificadas. Os arguidos garantem que não cometeram qualquer ilícito criminal. O processo está em fase de instrução, que corre em Vila Franca de Xira, e tem o debate instrutório marcado para 9 de Maio. O inquérito partiu das conclusões de um relatório da Inspecção Geral de Finanças e de participações feitas por forças políticas locais. Diz a acusação, deduzida pelo MP de Benavente em Fevereiro de 2000, que o FST foi criado em 1982, com a aprovação dos estatutos, mas sem ter adquirido personalidade jurídica. Segundo o MP, "através deste Fundo, o município pagava despesas que a sua cabimentação orçamental não lhe permitia" e "no FST nunca existiu contabilidade organizada entre 1982 e 1995". Cabia-lhe gerir o refeitório usado pelos trabalhadores camarários, organizar festas de Natal e oferecer assistência médica.António Moreira (eleito pelo PS) foi presidente da câmara entre Janeiro de 1983 e Janeiro de 1996 e o MP estima que, entre 1990 e 1995, a edilidade transferiu para o Fundo 26.479 contos. Em Agosto de 1990, a edilidade decidiu pedir a última conta de gerência do Fundo e o envio regular à câmara dos seus balancetes mensais. A direcção do FST não aceitou bem esta nova atitude, demitiu-se e, em assembleia, os sócios do Fundo optaram por recusar-se a dar tais informações. Perante a recusa, o MP diz que António Moreira continuou a atribuir, por instruções verbais, subsídios ao FST. Dois vereadores ainda propuseram que o município congelasse as transferências, até que fossem apresentadas as contas, mas tal não foi aprovado.António Moreira e Hélder Esménio (engenheiro que trabalhou na câmara desde 1983, exercendo sucessivamente funções de engenheiro civil, chefe de divisão e de adjunto de António Moreira e de presidente do Fundo entre 1986 e 1995) são, por isso, acusados da prática de crimes de peculato. O ex-presidente, no requerimento de instrução, afirma que "o tal fundo já existia antes de assumir funções como presidente" e que "sempre funcionou nos termos previstos no respectivo orçamento camarário". Sublinha que "o FST tem funcionamento legal", que decorre de legislação publicada em 1984. Em declarações ao PÚBLICO, António Moreira disse estar de "consciência perfeitamente tranquila". "A minha preocupação é o desconhecimento dos tribunais sobre a forma como funciona uma câmara. Há aqui acusações que não têm pés nem cabeça para quem conheça o funcionamento das câmaras", afirma.Sobre o FST recorda que, enquanto esteve na câmara, realizaram-se pelo menos duas inspecções que não levantaram qualquer problema. Quanto à inexistência de contabilidade organizada, António Moreira refere que "entendia que o FST era uma estrutura autónoma, gerida pelos trabalhadores. Fazia serviços para câmara, sabíamos quantas pessoas comiam no refeitório, sabíamos o custo e transferíamos as verbas. Se têm sido guardados os balancetes tinha-se evitado uma série de chatices ", reconheceu. Já o advogado de defesa de Hélder Esménio garante que o seu cliente "não praticou crime nenhum". Rogério Alves explicou que se levantam, no que diz respeito ao FST, duas ordens de razão: saber se o Fundo era legal e se a câmara procedia bem ao fazer as transferências. "O crime de peculato consiste na utilização de bens públicos para finalidades que não são admitidas pela lei", sublinha o causídico, lembrando que todos os municípios atribuem subsídios a grupos de moradores ou comissões de festas sem personalidade jurídica, nem contabilidade organizada.Rogério Alves diz que as verbas entregues pela câmara ism para actividades perfeitamente conhecidas, de benefício para os trabalhadores, e admite que o único erro tenha sido a recusa em prestar contas à câmara. "Face ao inquérito não vejo crime algum praticado por ninguém. Em tese, poderia falar-se de uso indevido de dinheiros públicos, mas então todas as pessoas que tiveram responsabilidade na entrega do dinheiro, na sua gestão e que beneficiaram dele também teriam que ser chamadas", diz. Já quanto às alegadas irregularidades na obtenção de fundos comunitários, o MP diz que, no âmbito do chamado Feder tradicional, foram subsidiados 16 projectos da câmara, num total de 180 mil contos. No Plano Operacional do Vale do Tejo (POVT) foram aprovados pela unidade de gestão da CCRLVT dezassete projectos apresentados pela câmara, num valor de 920 mil contos, subsidiados em 580 mil. Diz a acusação que, em ambos ao casos, António Moreira terá decidido "apresentar projectos com valores superiores aos do seu custo, como forma de obter financiamentos a que sabia não ter o município qualquer direito". Acrescenta que o arguido "destinou a outros fins montantes recebidos pela Câmara, sabendo que as verbas recebidas estavam consignadas aos projectos para os quais tinham sido atribuídas". Terá, ainda, "dado por concluídas obras que não foram integralmente executadas". Assim, a acusação sustenta que a edilidade optou por dividir as obras em componentes de empreitada (adjudicadas à Pavia) e de administração directa. Na primeira, o MP calcula que tenham existido "empolamentos" de 43 mil contos. Nos trabalhos por administração directa, a acusação afirma que existiram "empolamentos" de 95 mil contos e nas obras que não terão sido devidamente concluídas, o MP julga que "não foram executados trabalhos da ordem dos 198 mil contos".O MP faz ainda um pedido de indemnização cível de 165.119 contos, considerando que foram transferidos para o FST 26.479 contos que "pertenciam ao orçamento camarário" e que o Estado terá sido prejudicado em 138.640 contos pelo alegados "empolamentos" e pela não conclusão de obras declaradas como efectuadas.

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