Critérios das inspecções de veículos continuam sem uniformização
A experiência, levada a cabo pelo PÚBLICO, retrata uma situação que está longe de ser inédita. Há inúmeros casos de condutores que viram o seu carro reprovado num determinado centro de inspecção e que correram a outro centro noutra localidade, onde a mesma viatura, nas mesmas condições, saiu aprovada. E não faltam rumores que dão conta de centros de inspecção mais rigorosos e reprovadores e outros "mais permissivos".
Regulamentado há mais de oito anos, o sistema de inspecções periódicas de veículos continua a ser gerador de controvérsia. Diz a lei que as inspecções automóveis visam "confirmar com regularidade a manutenção das boas condições de funcionamento e de segurança" dos veículos. O serviço público prestado pelos CIV tem assim uma única finalidade: contribuir para a segurança rodoviária através da influência na melhoria das condições técnicas de circulação dos veículos.
Mas a dúvida permanece: será que, na prática, este objectivo de fundo está, de facto, a ser respeitado? João Gomes, presidente da Associação Nacional de Técnicos de Inspecção de Veículos (Atipov), admite que continuam a circular nas estradas veículos sem as mínimas condições de segurança e considera até que o que se passa no sector das inspecções é "escandaloso".
"Os CIV ainda não funcionam de uma forma isenta, mas sim sob a forma do clientelismo, em que o que interessa é o lucro. Este é um negócio extremamente rentável e os centros sabem que, se cumprirem com a legislação e forem rigorosos na inspecção, afastam clientes, porque grande parte dos condutores recorre à inspecção não para verificar as condições de segurança dos seus veículos, mas apenas porque a isso são obrigados legalmente", afirma.
Nesta lógica, os CIV "mais permissivos" são assim os mais "atraentes" para os consumidores. João Gomes garante ainda que os inspectores são constantemente "pressionados" a favorecerem os melhores clientes dos centros onde trabalham - oficinas de reparação automóvel e empresas transportadoras de mercadorias e passageiros - e não têm condições para combater esta situação. "Estamos demasiado subjugados aos interesses das empresas e não temos condições para exercer a nossa actividade com isenção e independência, porque ainda não temos um estatuto profissional nem um código deontológico", explica o inspector da Atipov.
No reino da subjectividade"Estas afirmações são uma auto-acusação muito grave e sem sentido. Os inspectores é que são os responsáveis pela emissão das fichas de inspecção dos veículos! Não faz sentido dizer que são pressionados pelas empresas... Neste sector, a procura de inspectores ainda é superior à oferta", refuta Paulo Areal, presidente da Associação Nacional de Centros de Inspecção (Ancia), desafiando João Gomes a concretizar as acusações.
Este engenheiro admite alguma diferença de procedimentos entre os centros de inspecção, mas apenas no que se refere a anomalias menos graves nos veículos. "Nas deficiências que põem em causa a segurança do veículo, os CIV têm sido exemplares no desempenho das suas funções", garante.
Confrontada com o ambiente de suspeição instalado no sector, a Direcção-Geral de Viação (DGV) admite que este sistema está ainda em "evolução", mas sublinha que a uniformidade de procedimentos nas inspecções técnicas de veículos "é um objectivo que preocupa todos os responsáveis pelo funcionamento do sistema".
Sublinhando que os CIV são obrigados a deter um sistema de qualidade oficialmente acreditado pelo Instituto Português de Qualidade, Fernando Mateus, responsável da DGV, sustenta que é "impossível" obter resultados totalmente objectivos nas inspecções. Por um lado, porque se nas inspecções existem procedimentos em que o resultado é expresso de forma objectiva, recorrendo a aparelhos de medição adequados, existem também "procedimentos baseados no conhecimento e experiência do inspector, logo, sujeitos a alguma subjectividade".
Por outro lado, porque o rigor técnico associado às inspecções periódicas está condicionado ao período de tempo que cada exame demora a fazer. A lei estabelece tempos de referência para estas inspecções - 15 minutos para veículos ligeiros, 30 minutos para pesados. "A rapidez leva a que o detalhe de observação e verificação seja relativamente reduzido", diz Fernando Mateus.