Torne-se perito

Estórias portuenses

Como é que os portuenses se vão (ou não) rever nas quatro curtas-metragens rodadas no ano passado na cidade, num projecto do Porto 2001? Esta é uma das expectativas guardadas para este primeiro dia do 21º Fantasporto, com a estreia portuguesa da série "Estórias de Duas Cidades: Porto e Roterdão" (19h15, no grande auditório do Teatro Rivoli). Depois da antestreia mundial no 30º Festival Internacional de Cinema de Roterdão (ver edições do PÚBLICO de 24 e 27 de Janeiro), "Corpo e Meio", de Sandro Aguilar; "Uma Canção Distante", de Pedro Serrazina; "As Sereias", de Paulo Rocha; e "Acordar", de Tiago Guedes-Frederico Serra, vão agora ser mostradas ao público do Fantas. Uma sensação de grande estranheza e mesmo incomodidade vai certamente ser vivida perante a obra de Sandro Aguilar, que viaja pelo lado mais sombrio do Porto. Não porque os portuenses não reconheçam que na sua cidade se vivem, a cada momento, situações de dor e de perda, como aquela que é experimentada por um operário da construção civil após a morte da sua companheira. Mas porque esse lado mais sofrido, habitualmente preferem vivê-lo de forma mais discreta. "Corpo e Meio", o filme mais conseguido do projecto, respeita e assume mesmo esse recato. E Aguilar fá-lo através de uma realização sóbria e segura, na esteira da estética de um Tarkovski ou Sokurov.Nos antípodas de "Corpo e Meio" está "As Sereias". No regresso à sua cidade natal, Paulo Rocha quis captar o clima de festa que a invade, todos os anos, na noite de S. João. Fê-lo como nunca o cinema o tinha feita até agora, captando a festa pelo seu lado mais desbargado e feérico, nomeadamente na multiplicidade de ângulos com que regista o fogo-de-artifício. Os portuenses sentir-se-ão certamente bem mais confortáveis a ver este filme. Mas nem todos se vão rever neste documentário, já que "As Sereias" viaja assumidamente pelo lado mais popular e "ribeirinho" do S. João, deixando de fora o carácter mais abrangente que a festa tem na cidade.A sensação de obra inacabada é a que se tem ao ver "Uma Canção Distante", de Pedro Serrazina. Não só porque o filme será ainda exibido em cópia vídeo, mas porque são nele notórias as deficiências de produção: no som, na imagem, na pressa da componente da animação, que é aquela em que o realizador de "Estória do Gato e da Lua" estaria naturalmente mais à-vontade. Apesar de tudo, Serrazina consegue prender-nos a uma história em que o par de músicos interpretado por Maria João e Mário Laginha - que, para os espectadores portugueses, não deixarão de se representar a si próprios, mas que, na enonomia do filme, conseguem o efeito da alteridade - vive uma mal sucedida experiência profissional em Roterdão e sonha com outra cidade, acabando por aportar a um Porto "irreal".Finalmente, "Acordar", que é o filme mais distanciado de qualquer identificação com o "décor" portuense. Esta história sobre a dificuldade de distinguir o sonho da realidade, ainda que mostrando algum domínio narrativo, manifesta-se o filme menos conseguido da série, tendo até em conta o seu "programa" de fazer do Porto um lugar de ficção cinematográfica.Ao contrário do que estava previsto, os dois filmes de Roterdão que completam a série - "Best Foot Forward", de Karel Doing, e "It's Not Gonna Work", de Stella van Voorst van Beest - não vão ser exibidos no decorrer do festival, já que a produção holandesa não assegurou a sua legendagem. A restante presença portuguesa no Fantas estará assegurada, nas secções competitivas, pela longa-metragem "Akaska", de João Menezes, e, nas curtas, pela animação "Clandestino", de Abi Feijó, e ainda por "Henrique", de Jorge Sá. Completam a selecção nacional os filmes "Duplo Exílio", de Artur Ribeiro (Semana dos Realizadores); "Novo Mundo", que Jorge Neves realizou em parceria com o caricaturista António; "Balas e Bolinhos", de Luís Miguel Ismael; "Na Ponta da Lâmina", de Luís Miranda"; "Black and White", de Daniel Blaufuks; "Baby Boom", de Pedro Baptista; e o trabalho colectivo "Inconsútil" (todos na secção informativa).

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