Uma história de êxitos, sonhos e falência

Dos anos 60 aos dias de hoje, a aveirense Metalurgia Casal - ligada às célebres motorizadas Casal - balançou entre a prosperidade e o insucesso. Deixa para trás várias décadas de controvérsia e sonhos e projectos que ficaram por realizar.

Em Fevereiro do ano passado, o Tribunal de Aveiro decretava o encerramento da Metalurgia Casal. A decisão punha termo a um difícil processo, relativo à venda de terrenos, que opunha a empresa à cadeia de hipermercados Carrefour e deixava sem emprego 150 funcionários. Actualmente, seguem em tribunal o processo de falência da empresa - avançado três meses depois do encerramento -, uma acção de anulação do negócio com a superfície comercial e duas impugnações. Decorre ainda, nesta altura, a venda da massa falida da empresa.Da falta de apoios estatais à má gestão, passando pelas consequências do período pós-revolucionário do 25 de Abril de 1974, ou pelas consequências da integração na União Europeia e pela concorrência das "scooters" e do automóvel, são várias as possíveis explicações para o encerramento da Casal. Uma só conclusão pode extrair-se de tudo isso: o caso é complicado e representa uma enorme perda para o sector metalúrgico. Entre administradores, ex-trabalhadores ou representantes sindicais, a metalurgia da zona industrial de Taboeira deixa muitas saudades e poucas ou nenhumas esperanças.Paulo Barros do Vale esteve à frente da empresa durante os últimos dez anos e não tem dúvidas: o caso Casal corresponde "a uma situação muito complexa" que "ultrapassa a empresa e o próprio sector em termos nacionais". Sector que, continua o empresário, "começou a ser afectado pela crise no final da década de 70 e um pouco por toda a Europa, devido à concorrência asiática e à falta de estratégias de desenvolvimento em países como Portugal, Espanha ou França, onde as duas rodas praticamente desapareceram"."Quando tomei conta da Casal, já era uma empresa falida, com um passivo de cinco milhões de contos e uma facturação anual da ordem dos 900 mil contos", diz Barros do Vale. E acrescenta: "Conseguimos que sobrevivesse mais dez anos, durante os quais o Governo em nada ajudou, e até criou alguns entraves, designadamente legislativos". Ainda assim, garante o ex-administrador, a empresa pagou "a totalidade das dívidas à banca e uma série de indemnizações, decorrentes da necessária redução do número de funcionários".Mas o verdadeiro "milagre", conforme afirma o responsável, foi "sol de pouca dura". Com o objectivo claro de "relançamento da unidade", surgia, em 1995, o negócio com o grupo distribuidor francês Carrefour. De acordo com o contrato estabelecido, a empresa vendia mais de 30 mil metros quadrados de terreno ao hipermercado, que pagaria em dinheiro e em terrenos destinados a venda posterior por parte da empresa. A Casal seria entretanto transferida para outra localização e instalada numa unidade mais pequena. O negócio ficou, no entanto, gorado pelo "incumprimento"."Há quem diga que a Casal já nasceu torta", diz José Paixão, da direcção do Sindicato dos Metalúrgicos de Aveiro, Viseu e Guarda, para quem a falência da metalurgia se justifica por "má gestão e alguns outros factores que influenciaram o mercado". "A Casal já foi a maior empresa do sector na região de Aveiro, chegou a ter mil funcionários e era uma boa escola de aprendizagem do sector metalúrgico. Mas, no pós-25 de Abril, surgiram as dificuldades e os salários em atraso", sustenta.Para o sindicalista, "houve inércia e falta de coragem para chegar a novos mercados, melhorar os produtos e a imagem de marca da empresa". E depois, continua, "apareceu o negócio com o Carrefour, que é obscuro e cujos contornos desconheço". De resto, José Paixão esclarece que "o sector das duas rodas vive, em geral, com muitos problemas": "A Famel encerrou há cerca de dois anos. Mais recentemente foi a Confersil e, no início da década de 90, a Sachs. As dificuldades já chegaram à Macal", num panorama em que "o Governo tem algumas responsabilidades", acusa Paixão.Manuel Andrade e Manuel Margarido trabalharam na Casal durante 18 e 31 anos, respectivamente. Foram "os últimos a sair" e vivem agora do fundo de desemprego. "Os problemas eram antigos. As dificuldades nas vendas das motorizadas surgiram na década de 80. Depois a empresa foi vendida e o grupo que tomou conta tentou a recuperação, mas começou a questão com o Carrefour", resumem os ex-funcionários. E "os próprios trabalhadores desencadearam várias diligências junto de algumas entidades, organizaram manifestações e muita luta", acrescentam. Andrade e Margarido recordam o tempo em que a empresa montava 100 motorizadas e mais de 200 motores por dia. Agora, ambos depositam todas as esperanças na venda do património móvel da fábrica: "Pode ser que um proponente adquira toda a massa falida e forme uma nova empresa que reintegre os antigos funcionários da Casal".

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