A Mansão

O cinema de terror não rima com abundância de meios. Os efeitos especiais banalizam o medo. Veja-se o ar de tédio dos actores, que interpretam um grupo de pessoas reunidas numa mansão assombrada, a pretexto de um estudo sobre a insónia.

O género do cinema de terror nunca se deu bem com as produções "mainstream". Se repararmos bem, historicamente este foi um género cultivado essencialmente pela série B e pelas pequenas casas de produção (de Val Lewton a Roger Corman), e mesmo na época contemporânea a tendência é para que os grandes sucessos nesta área venham das margens - é o caso, por exemplo, de "The Blair Witch Project", com estreia portuguesa anunciada para breve. Por alguma bem compreensível razão, o cinema de terror não rima com a abundância de meios. Se não o soubéssemos, tínhamos ocasião de o perceber com este "A Mansão", "remake" de um filme homónimo de 1963 dirigido por Robert Wise.

Na base está uma história reminiscente do universo de Edgar Allan Poe - matriz fundamental do género tal como entendido pela "tendência Corman" - cruzando a evocação dos ecos americanos do romantismo oitocentista com uma narrativa sobre amores amaldiçoados e (por isso mesmo) resistentes ao passar do tempo e dos séculos.

No caso, trata-se precisamente de uma maldição que vai ser "despertada" pela presença, numa velha mansão assombrada, de um grupo de pessoas, ali reunidas sob pretexto de um estudo sobre a insónia.

A história de "A Mansão"/ "The Haunting" (baseada em "The Haunting of Hill House", de Shirley Jackson) é, de resto, exemplar quanto às razões da predilecção do género pela série B. Como tudo, em última análise, se passa na cabeça da protagonista, e toda a "acção concreta" se resume à projecção das alucinações, medos e traumas das personagens, este era um filme que podia ser feito (e dantes era assim que era feito) apenas com luz e sombras - sendo que as sombras adquiriam a propriedade metafórica de representarem o estado de alma e a perturbação que o olhar da personagem lançava sobre o real. Mas em "A Mansão" não há nem sombras nem luz - quando muito "iluminação", como diria Godard. Vê-se tudo e vê-se demais, porque nada do que se vê é suposto existir, tudo devia ficar na fronteira que separa da realidade a imaginação da personagem de Lili Taylor. Mas como fazer um filme de terror onde, bem vistas as coisas, nada se passa? A resposta de Jan DeBont é a mais primária: os delírios de Lili Taylor podem ser materializados via efeitos especiais, e portanto alguma coisa de facto se passa - efeitos especiais, apenas e exclusivamente, aplicados por tudo e por nada, sem qualquer sentido dramático, numa acumulação que os esvazia de quaisquer propriedades simbólicas que pudessem ter. E, claro, de uma atmosfera de medo passamos, rapidamente, a um estado em que ao espectador só resta adivinhar de que ponto do enquadramento virá o próximo susto.

Não contente por exibir a sua nulidade, "A Mansão" nem consegue ser escorreito. Há personagens que são introduzidas na acção como se viessem a ser importantes para o seu desenrolar mas que de seguida desaparecem de circulação; há personagens, supostamente "principais", que se limitam a uma função decorativa (a de Catherine Zeta-Jones, por exemplo); e quem se queixou do ar de frete de Liam Neeson em "A Ameaça Fantasma" precisava de o ver aqui, com o rosto marcado pelo arrependimento de ter embarcado nesta aventura. Resta a pobre Lili Taylor, a esforçar-se por um filme que, manifestamente, não valia a pena.

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