Duas décadas de arte no Porto

A exposição "Porto 60/70: Os Artistas e a Cidade" é hoje inaugurada em duas instituições portuenses: Cooperativa Árvore e Museu de Arte Contemporânea de Serralves. Comissariada por João Fernandes e Fátima Lambert, a mostra pretende sublinhar algumas intersecções protagonizadas por artistas plásticos que, ao colaborarem com estruturas independentes, "procuraram convertê-las em exemplos de uma cidadania cultural reveladora de muitas das transformações das linguagens artísticas ao longo dessas décadas"

Na Cooperativa Árvore e no Museu de Arte Contemporânea de Serralves (MACS) é hoje inaugurada a exposição "Porto 60/70: Os Artistas e a Cidade", que está integrada na programação da Capital Europeia da Cultura. Comissariada por João Fernandes e Fátima Lambert, a mostra procura dar uma visão global do contexto artístico portuense nas décadas de sessenta e setenta, anos marcados pelo trabalho realizado no âmbito de algumas instituições independentes da cultura oficial, como o Cineclube do Porto, o Teatro Experimental do Porto (TEP) e a Cooperativa Árvore. É também o tempo da revolução de Abril e dos colectivos de artistas.Marcadamente histórica e apoiada por bastante documentação, a exposição é dividida por João Fernandes em três grandes linhas: "A emergência quer de uma nova atitude, quer de novas linguagens no campo de expressão artística, como a arte minimal, a arte conceptual ou a 'performance'; uma grande diversidade de meios e suportes, muitas vezes apresentados conjuntamente, gerando assim uma evolução contraditória; e o aparecimento de estruturas independentes da cultura oficial da época". O director adjunto do MACS sublinha igualmente o antes e pós-25 de Abril, dando o exemplo do enterro do Museu Nacional de Soares dos Reis ocorrido depois da revolução - a iniciativa esteve na base da criação do Centro de Arte Contemporânea, dirigido por Fernando Pernes. O percurso expositivo do MACS dá conta dessa diversidade cultural, abordando exaustivamente a actividade artística portuense ao longo de vinte anos. Alguns trabalhos fotográficos do grupo If antecipam uma sala quase exclusivamente dedicada à apresentação de documentos sobre galerias (Alvarez, Divulgação, JN, Zen e Módulo), grupos artísticos (Quatro Vintes, Acre, Puzzle, 21G7), instituições (Árvore, TEP, Cineclube e Escola Superior de Belas-Artes do Porto). Segue-se uma divisão onde é possível perceber a forma como os Quatro Vintes foram responsáveis pela introdução de algumas das linguagens então emergentes - sobretudo o pós-minimalismo. Nessa divisão observem-se não só as obras de Ângelo (o seu catálogo de pequenas esculturas), Jorge Pinheiro, Armando Alves e José Rodrigues, mas também os trabalhos de Alberto Carneiro - como o praticamente inédito "Outra Vez o Mar ainda para além do Labirinto", de finais dos anos 70 - Zulmiro de Carvalho, João Machado e Joaquim Vieira.A viagem prossegue com Fernando Lanhas, o introdutor do abstraccionismo geométrico no nosso país - no MACS é também apresentado o seu "Cosmocópio", de 1974. Nas suas proximidades encontram-se obras de Nadir Afonso e um pouco mais à frente duas pinturas de Augusto Gomes. É na última sala que se acumulam os trabalhos e os artistas. Pode tentar-se agrupá-los em dois núcleos. No primeiro, aquele em que é evidente uma ligação entre escrita e imagem, salientam-se os nomes de Álvaro Lapa, António Areal, Ana Hatherly, Abílio e Silvestre Pestana; no outro, podem incluir-se os artistas que foram levantando problemáticas relacionadas com a representação e a figuração pictóricas: de Júlio Resende a Gerardo Burmester, de Jaime Isidoro a Albuquerque Mendes, de Carlos Carneiro a Dario Alves. Dois casos à parte: Maria José Aguiar, um caso único da pintura feminista no nosso país, apenas representada com uma única obra, e Eduardo Batarda, com o seu humor pop aplicado à tacanhez nacional. Na Cooperativa Árvore, "Porto 60/70: Os Artistas e a Cidade" integra obras de António Quadros, explorando ainda a relação do artista com a cultura popular, nomeadamente através da divulgação dos objectos produzidos por Rosa Ramalho e Franklim Pereira; os trabalhos realizados pelos Quatro Vintes para as suas exposições; e ainda uma selecção de obras de Abílio. "Esta exposição representa o contributo possível, dentro das contingências da sua natureza, para o apelo a uma investigação mais aprofundada que se torna urgente desenvolver no campo da pesquisa universitária e museológica sobre este período", referem os curadores em texto do catálogo. E acrescentam, em jeito de conclusão, que a mostra não pretende representar o contexto cultural abrangido pelas décadas que referencia: "A vida e a história de instituições, estruturas e associações culturais como a Escola de Belas-Artes do Porto, o Cineclube do Porto, o Teatro Experimental do Porto ou a Cooperativa Árvore, entre muitas outras, necessitam de investigações autónomas e específicas que até ao momento ainda se encontram por realizar". E acrescentam: "Sublinham-se aqui e agora apenas algumas das intersecções protagonizadas por artistas plásticos que, colaborando com essas estruturas, procuraram convertê-las em exemplos de uma cidadania cultural reveladora de muitas das transformações das linguagens artísticas ao longo dessas décadas".

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