Torne-se perito

Cedo para julgar

Quando um Presidente americano acaba o seu mandato é sempre muito difícil fazer-lhe justiça. Truman saiu, em 1952, triste e cabisbaixo, mas foi um grande presidente. Kennedy era adorado, mas não fez um bom mandato. Já ao controverso Reagan reconhece-se hoje o mérito de ter mudado a América e o Mundo, contra ventos e marés - e, já agora, contra toda a intelligentsia. E foi ao mal-amado Nixon que coube a tarefa de sair do mesmo Vietname para onde Kennedy tinha entrado.William Jefferson Clinton também gostaria de ficar na história da América como um grande presidente. Mas a única coisa que é certa é que ficará como o primeiro a sobreviver a um processo de "impeachment" e como o mais novo a abandonar a Casa Branca. Também todos o recordarão por causa do "caso Lewinsky". O resto do seu legado - à excepção da performance na área económica - é, por enquanto, controverso. Mais: a sensação é que, possuindo enormes talentos, desperdiçou-os parcialmente. E tendo disposto de excelentes oportunidades, não as explorou como devia. Por outras palavras: que, no mínimo, podia ter sido muito melhor.Quando chegou à Casa Branca, Clinton herdava um país que era a única potência mundial e que começava a recuperar de uma brevíssima recessão após nove anos de crescimento económico (a América está a crescer não há oito anos, mas há 17, com excepção de dois trimestres em 1991/92). Dispunha de maiorias democráticas na Câmara de Representantes e no Senado. E possuía a energia dos sobreviventes e o idealismo pragmático dos melhores filhos da geração de 60. No entanto, até à "revolução republicana" de 1994, quando o partido de Newt Gringrich esmagou os democratas nas eleições, quase só fez asneiras. Depois aprendeu a lição - e Clinton sempre demonstrou ser muito rápido a aprender as lições. Após a derrota de 1994 mudou o discurso, reaproximou-se do centro político e recuperou o melhor que tinham as políticas republicanas. Tornou-se num habilidoso gestor do legado do reaganismo e, depois de uma épica batalha com o Congresso que lhe queria impor a redução do défice, acabou por ser o Presidente que não só acabou com o défice como começou a pagar a gigantesca dívida externa. Ao manter Alan Greenspan - o mago das finanças - à frente da reserva federal encontrou aí o seu melhor aliado, o seu "anjo da guarda". E mesmo considerando que sai da Casa Branca precisamente quando nuvens negras se acumulam no céu do crescimento americano, é indiscutível que os números da economia nestes oito anos são-lhe altamente favoráveis. Mas discutir-se-á sempre se por mérito das suas políticas ou por apenas não ter estragado o que estava a correr bem. As suas políticas centristas, o ter acabado com a tradicional irresponsabilidade orçamental democrata, o não ter optado pela excessiva regulação da economia, o ter-se separado da sua base de apoio sindical para apoiar os tratados de comércio livre, tudo isso pesa do lado bom do seu legado. Pragmático, seguiu a corrente certa.Na frente externa - a tal que não lhe interessava quando chegou à Casa Branca - notou-se mais a falta de uma linha de actuação clara. A América reagiu, mais do que agiu. Por vezes até resistiu enquanto pode, como sucedeu nos Balcãs ou em África. Procurou seguir a nova retórica das "guerras humanitárias" - inauguradas por Bush-pai na Somália - mas hesitou ou, quando outros interesses se levantavam, olhou para o lado (por isso interveio tarde nos Balcãs, de forma desastrada no Kosovo e nada fez no Ruanda, no Afeganistão ou na Tchetchénia). Tentou entrar para história mediando processos de paz, mas falhou no Médio Oriente e deixou a Irlanda do Norte sobre brasas. Nas Coreias, o futuro dirá como evoluirá um processo que só agora começou. Bem intencionado, voluntarioso, faltou-lhe disciplina e perseverança. A liderança americana no mundo, de que tanto gosta de falar, assenta num poder económico indiscutido e num poder militar sem paralelo - mas oscila entre um multilateralismo cooperante e um unilateralismo que irrita parceiros e aliados. O que é pena: as enormes capacidades políticas de Clinton teriam tido muito melhor uso se tivessem sido aplicadas de forma mais coerente e menos errática, se o seu extraordinário dom da palavra - foi um comunicador pelo menos tão eficiente como o "grande comunicador" Reagan - tivesse suportado opções políticas mais claras. E esse é, talvez, o principal problema do legado de Clinton. A sua falta de liderança persistente, determinada, teimosa quando necessário. A sua tendência excessiva para querer agradar a todos, não romper, não perder popularidade. Quando as coisas corriam bem, Clinton não estragava, o que era bom; quando corriam mal, demorava, o que era mau. É por isso que, por enquanto, apesar da sua popularidade, é difícil colocá-lo já na galeria dos grandes presidentes: porque verdadeiramente é difícil dizer o que é que, nestes oito anos, tem realmente a sua marca, aquilo que não teria sucedido se não fosse a sua liderança.É cedo para julgar porque é cedo para saber o que é transitório e o que é permanente no seu legado.

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