Da prisão para a Casa das Mães

As reclusas que vivem com os seus filhos no Estabelecimento Prisional de Tires já começaram a "mudar-se" para um novo edifício com espaços reservados para as crianças. É a Casa das Mães, ontem inaugurada pelo primeiro-ministro e pelo ministro da Justiça.

Nuno, de 11 meses, olhos grandes, corpo roliço, seropositivo. É um dos meninos residentes na "Casa das Mães" inaugurada ontem na Cadeia de Tires. Nesta unidade destinada a reclusas com filhos até aos três anos, distribuem-se 54 quartos alinhados ao longo dos corredores de três alas, com capacidade para acolher um total de 70 mulheres. Há também um refeitório, gabinetes médicos, um parque infantil e um campo de jogos. Para este novo espaço mudaram-se já vinte das reclusas que partilhavam as celas do velho pavilhão com as suas crianças. Estranhando a agitação anormal do dia da inauguração, marcado pelas visitas do primeiro-ministro e do ministro da Justiça, acompanhados pelas respectivas comitivas, Nuno chora agarrado à mãe, uma mulher de 30 anos, detida por tráfico de droga, toxicodependente e seropositiva. Diz-se "satisfeita" com o novo espaço que começou a habitar, com uma casa de banho privativa, uma cama para o bebé, brinquedos e uma televisão. Por baixo da janela com grades, há outra janela pequenina, à altura dos olhos do Nuno, por onde ele pode "ver a rua". A sua mãe é uma das 738 reclusas da cadeia de Tires e uma das 1275 mulheres que compõem a população prisional feminina portuguesa. Tem mais quatro filhos de um primeiro casamento, com nove, quatro, três e dois anos que vivem com os avós maternos. "Tenho saudades, mas eles estão pouco acostumados a mim. Já chamam 'mãe' e 'pai' aos avós", diz. Foi com eles que ficaram quando ela foi internada num centro de desintoxicação, foi com eles que ficaram quando ela foi presa. A sua história é semelhante à da maioria das outras reclusas de Tires e de outros estabelecimentos prisionais do país. Detidas por crimes directa ou indirectamente relacionados com a droga, com idade entre os 30 e os 39 anos e com vários filhos de mais de um homem. Uma percentagem assinalável apenas possui o ensino básico. Estes foram alguns dos dados apresentados pelo director-geral dos Serviços Prisionais, Celso Manata, durante a inauguração da Casa das Mães. A abertura deste novo edifício foi realizada sobretudo a pensar nas 54 crianças (de um total de 91) filhas de reclusas que vivem hoje na dependência dos Serviços Prisionais. Celso Manata explicou que, face à situação desses meninos, que, à noite, tinham de ser fechados nas celas com as mães, "era preciso criar uma nova realidade". As obras duraram 11 meses e custaram 965 mil contos. A Casa das Mães possui também quartos de maior dimensão preparados para receber reclusas que tenham laços de parentesco e possibilitando assim a existência de pequenas unidades familiares. Para solucionar o problema dos meninos com mais de três anos, que, segundo a lei, deixam de poder permanecer junto das mães, foi entretanto celebrado um protocolo com a Câmara Municipal de Cascais, que, em associação com o Instituto de Solidariedade Social "Champanhã", está a recuperar uma antiga residência de guardas nas proximidades de Tires para acolher os meninos em idade pré-escolar. A primeira fase das obras já está concluída segundo disse ao PÚBLICO o presidente do município, José Luís Judas, esclarecendo que a Câmara de Cascais contribuiu com cerca de 20 mil contos. A inauguração da Casa das Mães foi ocasião também aproveitada por Celso Manata para divulgar o projecto de intervenção em saúde reprodutiva e infantil "As Cegonhas", destinado às reclusas do Estabelecimento Prisional de Tires. Trata-se de um programa que tem como principal objectivo proporcionar às presas informação sobre o planeamento familiar e prevenção das doenças de transmissão sexual. Com o apoio do Centro de Saúde da Parede, procurar-se-á também cumprir o Plano Nacional de Vacinação junto das crianças que vivem na cadeia. Este programa, que será desenvolvido em várias fases, vai ainda permitir que as reclusas tenham acesso ao rastreio do cancro do útero e da mama, bem como à continuidade das consultas após a sua libertação.

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