Banco de ADN "é incontornável"

A criação de uma base de dados genéticos em Portugal está a ser preparada pelo Instituto Nacional de Medicina Legal (INML). A proposta inicial visava apenas a investigação de crimes como a violação e o homicídio. Mas o modelo poderá ter em vista outros fins. Com a privacidade no centro das atenções.

O debate está lançado. O vice-presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML), Francisco Corte-Real, avançou com a proposta de criação de uma base de dados genéticos para combater a criminalidade, sobretudo em casos de violação e homicídio. O ministro da Justiça, António Costa, não afasta a hipótese, mas mostra-se cauteloso sobre os aspectos éticos da questão.O assunto está agora a ser estudado pelo INML, que poderá avançar mesmo com uma proposta mais abrangente, onde as informações sobre o ADN dos cidadãos venham a ser utilizadas para identificar pessoas (também) para outros fins. Para o presidente do INML, Duarte Nuno Vieira, a criação de um banco de dados de ADN "será incontornável" num futuro próximo. A grande questão é saber qual o modelo a seguir, sendo "prematuro" adiantar a proposta que o INML vai apresentar ao ministro da Justiça."Há outros países europeus com bases mais abrangentes [para além da investigação criminal] e o que estamos a fazer é precisamente analisar quais as soluções encontradas na UE para perceber qual a solução que está a prevalecer na Europa", sublinha Duarte Vieira. No entanto, considera essencial "proteger todos os princípios éticos e jurídicos" relativos à privacidade das pessoas. Segundo Francisco Corte-Real explicou à TSF, a protecção dos dados pode ser assegurada através de um código de registo ao qual só teriam acesso as entidades oficiais e só quando autorizadas por um magistrado. "Haveria um departamento de identificação genética dividido: de um lado estariam os perfis genéticos codificados; de outro os nomes das pessoas. E só mediante autorização judicial é que se podia ligar o nome ao código", disse.A preocupação com os aspectos éticos é também sublinhada por Walter Osswald, membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, que considera "arriscado" fazer-se uma base de dados genéticos com fins de investigação criminal com informações relativas a meros suspeitos, como parece ser a proposta. Para este médico, a existir, a base devia ser apenas com informações sobre condenados, a exemplo do que acontece com as bases de dados de impressões digitais.No entanto, Walter Osswald pensa que é tempo de se "desfazer o mito de que o ADN é o núcleo da personalidade, pois é apenas um dado biológico como qualquer outro". Acredita também que a informação genética se torne, no futuro, o grande elemento identificador das pessoas. Fundamental é que "as pessoas dêem o seu consentimento" para a recolha e registo dessas informações genéticas e que tal base de dados possa servi-las beneficamente, nomeadamente com fins médicos.Preocupado com os aspectos éticos da informação genética está também o ministro da Justiça. Em declarações à TSF, António Costa considerou que um banco de ADN "permite obviamente agilizar as investigações criminais", mas isso implica um enquadramento jurídico que tenha em atenção os problemas éticos suscitados. Por isso, aguarda o relatório pedido ao INML.Na actual Lei de Protecção de Dados, as informações genéticas estão na categoria de "dados sensíveis". O seu tratamento é apenas permitido no âmbito da medicina, desde que seja feito por um profissional de saúde ou alguém igualmente sujeito a sigilo profissional.Ou seja, não existem disposições específicas sobre a criação de bases genéticas de âmbito judicial, onde está posta de parte a autorização do titular. De acordo com o presidente da Comissão de Protecção de Dados Pessoais, João Labescat, teria que ser criada uma nova lei. Para Labescat, o facto de as pessoas de quem se recolhe os dados não terem sido condenados pela justiça, por serem ainda meros suspeitos, é bastante sensível. Apesar de o objectivo ser a prevenção criminal, "bastará ser suspeito de um delito para se poder retirar material genético?", questiona, sublinhando que "o dado genético é mais do que um elemento de identificação". A recolha terá que estar sujeita ao princípio da adequação e a pertinência dos dados, não se podendo fazer de forma indiscriminada. "Mas pode haver situações devidamente justificadas, tem é que haver um forte motivo."

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