O casal de fãs, a arrumadora e a estreia de Branca de Neve

Este texto foi publicado a 11 de Novembro de 2000. Isabel Leiria foi assistir à sessão das 14h, no Cinema King, em Lisboa, no dia da estreia de Branca de Neve de João César Monteiro

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Miguel Silva

Este texto foi publicado a 11 de Novembro de 2000. 

"Sabem que o filme é só escuro?". O aviso diligente parte da arrumadora que indica os lugares ao único casal presente para a primeira sessão da estreia do filme de João César Monteiro. António e Susana Santana Pinto, 56 anos, não se deixam "intimidar". Sabem que assim é pelo muito que já ouviram falar da última obra de César Monteiro. Mas nem foi pela polémica que se dirigiram ontem ao cinema King, em Lisboa, a única sala da capital que exibe Branca de Neve. Foi mesmo pelo medo do "filme sair de exibição já na próxima semana" e de o perderem como aconteceu com a obra anterior A Bacia de John Wayne. De resto assumem-se fãs convictos do cineasta, das Recordações da Casa Amarela, da Comédia de Deus, das Bodas de Deus.

Quanto a Branca de Neve admitem uma curiosidade extra e, diga-se, algum receio também. "Só tenho medo é de adormecer", confessa Susana Pinto. Inicia-se o filme e chega a terceira espectadora da sessão das 14 horas. A arrumadora também espreita curiosa as primeiras imagens. Três ou quatro fotografias do corpo do autor Robert Walser, morto na neve, iniciam a obra.

Setenta minutos depois de um filme quase sempre a negro, intercalado por algumas imagens de um céu nublado e um último plano do próprio realizador que diz, sem se ouvir, "não", os três espectadores admitem alguma dificuldade em exprimir uma opinião. Ainda um pouco espantada, a terceira espectadora, professora de Filosofia, confessava não estar preparada para "um filme assim". Não tinha ouvido comentários, não conhecia a obra anterior. "Mas gosto, seduz. Acho que a opção pelo negro tem a ver com o mundo em que vivemos. Acho que percebo onde o realizador quer chegar", comentava.

"É esquisito. É difícil gostar de um filme assim", dizia António Pinto. "Ao princípio estava furiosa pelo filme não ter imagens. Então o cinema não é imagem", interrogava Susana. Mas nenhum dos dois dava o tempo por perdido. E nem a Branca de Neve estragava a "anterior obra maravilhosa do realizador". Se outros méritos não reconheciam ao filme, consideravam que já era bom ele suscitar alguma conversa. "Não é como o 'Adão e Eva', em que vemos aquilo e não há muito a dizer", justificava António. Quanto aos apoios do Estado, uma certeza. "Tem de haver. Não há mercado para o cinema e o teatro português". Por isso, no final, o casal só exprimia um lamento. "É pena não podermos ver este filme com as imagens".

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