Oslo morreu, a Intifada continua

Há um elevado risco de guerra étnica em Israel, envolvendo judeus e árabes de cidadania israelita. Nos territórios ocupados da Cisjordânia e Gaza, os confrontos continuam a causar mortos e feridos. Kofi Annan, Mubarak e Clinton tentam salvar o processo de paz. Mas muitos concordam que este já não pode seguir as regras dos Acordos de Oslo.

O ultimato do primeiro-ministro israelita, Ehud Barak, ao presidente da Autoridade Palestiniana, Yasser Arafat, para "pôr fim à violência" terminou ontem à noite, sem que nenhum dos dois cedesse. Israel e a Palestina enfrentam agora dois destinos: uma guerra étnico-religiosa tipo Bósnia ou uma solução diplomática.A tensão aumentou no domingo quando cerca de mil judeus israelitas, depois de confrontos no dia anterior com jovens palestinianos, entraram em Nazaré, a maior cidade árabe palestiniana em Israel, com 70 mil residentes. Os judeus israelitas destruíram casas, espancaram transeuntes e abriram fogo sobre todos os árabes que lhes apareceram à frente.Segundo testemunhas árabes e judias, a força policial, esmagadoramente composta por judeus israelitas, só interveio quando os palestinianos ripostaram. Nessa altura, a polícia usou gás lacrimogéneo e munições reais, matando dois árabes, fazendo 30 feridos, cinco deles em estado crítico, e elevando para 13 o número de palestinianos de cidadania israelita mortos em 12 dias de confrontos.Azmi Bishara, um dos deputados palestinianos israelitas no Knesset (parlamento) e cuja casa em Nazaré foi atacada ontem de manhã, pediu protecção internacional para a minoria árabe de Israel (um milhão de cidadãos), uma vez que "as autoridades israelitas não são capazes de nos proteger". Com tudo o que aconteceu nos últimos dias, esta é precisamente a mesma reivindicação que fazem os habitantes da Cisjordânia e Gaza, que são palestinianos mas não têm cidadania israelita. O paralelo mais negro nem sequer foi estabelecido pelos palestinianos, mas pelo movimento judeu Gush Shalom (Bloco da Paz). "O que está a acontecer em Nazaré é um 'pogrom'.", lê-se num comunicado divulgado ontem de manhã. "Isto tem todas as marcas que o judeus na Rússia czarista conhecem, sobretudo o conluio entre os atacantes racistas e a polícia."E talvez também o conluio entre colonos judeus na Cisjordânia e Gaza. Enquanto alguns atacavam Nazaré, outros encheram as ruas de Jerusalém-Leste e de Hebron, envolvendo-se em batalhas com palestinianos. Vingaram-se deste modo das notícias de que um colono tinha sido encontrado morto numa gruta, próximo de Nablus, na Cisjordânia.No Norte da Cisjordânia, um palestiniano foi encontrado morto com uma bala na nuca. Outro palestiniano, Isam Hamad, de 38 anos, jazia próximo do colonato de Pisgot, nos arredores de Ramallah. Segundo o grupo de direitos humanos LAW, Hamad morreu vítima de tortura, com o seu corpo a evidenciar sinais de queimaduras, electrocussão e golpes de machado. Quando a notícia da sua morte se espalhou, milhares de palestinianos voltaram ontem à tarde a confrontar-se com soldados israelitas, atirando-lhes pedras, bombas incendiárias e balas.Com a intensificação dos confrontos aumentaram também os esforços diplomáticos. O secretário-geral da ONU, Kofi Annan, chegou ontem à noite a Israel para "conversações de crise" com Barak e Arafat. O líder palestiniano, por seu turno, viajou até ao Cairo para uma audiência de duas horas com o Presidente egípcio, Hosni Mubarak. Circulavam também rumores de que o Presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, estava a preparar uma cimeira tripartida, com americanos, israelitas e palestinianos.As condições prévias para a diplomacia resultar, insistem os palestinianos, é a retirada do exército israelita das suas áreas civis na Cisjordânia e Faixa de Gaza, e um acordo para que a ONU investigue a violência. Israel recusou até agora ambas as condições. E os palestinianos recusaram, por seu turno, o ultimato de Barak que, para eles, significa formalmente "o fim do processo de paz na fase actual".Antes de partir para o Cairo, Arafat presidiu a uma reunião da liderança palestiniana em Gaza que incluiu, pela primeira vez, representantes dos movimentos islamistas Jihad e Hamas. Estes exortaram-no a continuar a "guerra popular" nos territórios ocupados. Ele não os desapontou.O sentimento teve eco na própria Fatah, a maior facção da OLP - tanto uma como a outra são presididas por Arafat. Um panfleto distribuído nos territórios em nome do Alto Comité da Fatah apelava à continuação da Intifada, ao fim das negociações de paz e à suspensão de toda a "coordenação de segurança" com Israel. Apelava também aos palestinianos que impedissem "qualquer movimento de colonos" na Cisjordânia e Gaza.É impossível saber se este panfleto teve ou não a aprovação de Arafat. Se não teve, só prova que o presidente palestiniano não está a "mobilizar" as massas, como alegam os israelitas, mas a segui-las. É essa a convicção de muitos palestinianos. Seja qual for a verdade, parece que na longa guerra Israel-Palestina este "é o início de uma nova fase", segundo a descrição do secretário-geral da Fatah na Cisjordânia, Marwan Barghouti. Porque "vai haver uma escalada" na actual Intifada.

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