Dinamarca acelera Europa a duas velocidades

Muito mais do que a rejeição do euro, o resultado do referendo na Dinamarca traduz um "não" ao desenvolvimento político da União Europeia (UE). Só que, precisamente por causa do euro, a integração não pode parar. Dinamarqueses, suecos e britânicos estão assim em vias de ficar para trás numa Europa a duas velocidades.

Pela segunda vez em menos de dez anos, os dinamarqueses recusaram aderir à moeda única europeia com uma firmeza ainda maior do que aquela com que rejeitaram o Tratado de Maastricht, em 1992. Esta posição tem, no entanto, implicações muito mais profundas do que a simples substituição da coroa pelo euro: 53,1 por cento dos eleitores contra 46,9 por cento, quiseram pôr um travão na integração política da UE. "Os dinamarqueses disseram um 'não' muito claro à criação dos Estados Unidos da Europa", resumiu Pia Kjaersgaard, líder do Partido Popular (extrema-direita) e uma das claras vencedoras do escrutínio de quinta-feira.Do estrito ponto de vista formal, o resultado não vai alterar a situação da Dinamarca: o país vai manter a situação de excepção relativamente ao euro que obteve, em 1993, em troca da realização de um novo referendo à ratificação do Tratado de Maastricht para inverter o "não" que emitira no ano anterior. Ninguém espera, igualmente, grandes repercussões numa economia estável e de baixo desemprego, dotada de uma moeda que já está de todos os modos ligada ao euro através de um acordo cambial.A grande diferença, para este país de pouco mais de cinco milhões de habitantes, traduzir-se-á sobretudo ao nível da perda de influência nas decisões europeias, sobretudo no campo económico. Este foi, aliás, o principal argumento dos defensores do "sim", mas que deixou os eleitores indiferentes.Com uma vantagem do "não" superior às expectativas, o resultado do referendo constitui, aliás, um sério revés para todos os partidos moderados - da coligação social-democrata e radical à oposição liberal e conservadora -, que viram uma larga maioria dos seus eleitores tradicionais ignorar os seus apelos ao "sim". Os grandes vencedores foram, sem sombra de dúvida, os partidos extremistas à esquerda e à direita, a par de dois movimentos anti-UE que apenas se manifestam por ocasião das discussões europeias. Profundamente contrárias à integração política europeia e firmes defensores da preservação da soberania do país, estas forças deixaram claro que se vão encarregar de reduzir a já curta margem de manobra tradicional do Governo nas questões europeias. "É preciso definir uma nova política europeia" para a Dinamarca, destinada a substituir o "actual modelo de integração ambicioso" por "uma boa e pragmática cooperação" em matérias como o ambiente, o mercado interno ou a fiscalidade sobre as empresas e sobre os rendimentos do capital, defenderam em uníssono os vencedores da noite. Sobretudo porque, para os eurocépticos, a recusa do euro traduz igualmente um "não muito forte" a eventuais concessões do Governo nas negociações actualmente em curso entre os Quinze países da UE para a reforma das instituições comunitárias, que deverá ser concluída durante a cimeira de lideres de Dezembro, em Nice. E se a Dinamarca já era um dos países mais reticentes face a alterações significativas ao funcionamento da UE, precisamente devido ao receio de as ver recusadas em referendo, não restam agora dúvidas de que as suas posições futuras vão ser ainda mais recuadas.Mesmo que o veredicto dinamarquês tenda, numa primeira fase, a tornar a vida comunitária mais difícil, nas diferentes capitais europeias ninguém se mostrou especialmente preocupado com os seus efeitos. As excepções são, porventura, o Reino Unido e a Suécia, cujos governos - mais europeístas que os respectivos eleitores - esperavam que um resultado positivo na Dinamarca gerasse uma dinâmica do "sim" nos seus países. Com um "não", é precisamente o efeito inverso que corre agora o risco de se produzir.Os três países estão assim na posição de ficar para trás face a uma integração europeia que, precisamente devido ao euro, não pode parar: não se queixam frequentemente os mercados cambiais de que a sua desconfiança face à moeda europeia resulta em grande parte da fraca integração económica dos seus membros, ou do que os franceses costumam chamar um "governo europeu"?Na Dinamarca, todos os políticos estão conscientes de que o seu veredicto não vai impedir os outros países de avançar. Na prática, aliás, o "não" dinamarquês encerra definitivamente a crença de que seria possível prosseguir a integração com todos os Estados-membros ao mesmo ritmo. "Só podemos temer que este 'não' ao euro lance a Europa a duas velocidades", reconheceu Mogens Lykketoft , ministro das finanças."Não nos podemos esquecer que quando a Dinamarca obteve as excepção ao euro, em 1993, assumiu o compromisso de não impedir os outros países de avançar", lembrou Marianne Jelved, ministra da Economia. "A Dinamarca tem de respeitar que a UE tem uma agenda para assegurar que a moeda única funcione".Como que a confirmar isso mesmo, o ministro alemão das Finanças, Hans Eichel, garantia, em Berlim, que a zona euro prosseguirá o processo "irreversível" de integração."É muito difícil evitar a Europa a duas velocidades porque há diferentes aspirações entre os diferentes países", reconheceu, por seu lado, Holgar Nielsen, líder do Partido Socialista Popular dinamarquês (antieuro).Para os mais integracionistas, aliás, o resultado de quinta-feira tem pelo menos o mérito de clarificar o debate europeu. "Foi melhor um 'não' do que um 'sim' à tangente, cheio de hesitações, que não faria mais do que tornar cada novo passo da integração num psicodrama por causa dos referendos na Dinamarca", afirmou um diplomata europeu. Ou seja, "ao menos assim sabemos de uma vez por todas quem é que está e quem é que não está" interessado em prosseguir.

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