O regresso do milionário Hariri

A segunda volta das legislativas libanesas conclui hoje um processo eleitoral marcado por irregularidades. O milionário sunita Rafiq al-Hariri parece bem colocado para regressar ao poder. A Síria diz-se equidistante de todos os candidatos, mas os resultados da primeira volta foram negativos para Damasco.

A campanha eleitoral libanesa de 2000 foi apresentada pelos "media" locais como um confronto entre o bem e o mal. Os resultados da primeira volta, a 27 de Agosto, sugerem uma leitura diferente. As votações nos círculos do Norte do Líbano e do Monte Líbano confirmam axiomas universais sobre pobreza e cinismo político.Tal como no resto do país, as campanhas no Norte e nas montanhas viram os recursos do "Estado" e os seus serviços secretos ter de enfrentar uma variada "oposição", em que muitos dos candidatos receberam generosas contribuições do milionário e ex-primeiro-ministro Rafiq al-Hariri. Mas, pelo menos no Norte, a mais destacada lista da "oposição" era composta por ministros, um dos quais reuniu o apoio entusiástico, de Hariri, de Damasco e de Baabda, o palácio presidencial. As últimas semanas da campanha viram a longa lista de irregularidades crescer, com a utilização dos audiovisuais - sobretudo a TeleLiban e a RadioLiban (estatais) e a Future Television e a Radio Orient (de Hariri) - como instrumentos de calúnia e difamação. O cinismo político foi ajudado pelo estado comatoso da economia. Consequentemente, a campanha não foi dominada pelo debate político, mas pela prática clientelar - o Parlamento rejeitou a legislação do primeiro-ministro, Salim al-Hoss, para reduzir os gastos. Neste aspecto, Hariri não tem rival, e calcula-se que tenha esbanjado 50 milhões de dólares (dez milhões de contos) na sua campanha e nas dos seus aliados. A presença de Hariri foi sentida no Norte, apesar de ter retirado os seus candidatos do Movimento Futuro da corrida para apoiar aliados locais.Um dos acontecimentos mais interessantes da campanha foi a decisão (desastrosa) do grupo Jama'al-Islamiyya de se aliar com o bloco Miqati-Franjieh, numa tentativa de se aproximar de Damasco. O Miqati-Franjieh conquistou todo o círculo, à excepção de três lugares, na primeira volta, mas o partido islamista não conseguiu um único lugar. Nos quatro círculos eleitorais do Monte Líbano, a afluência às urnas foi superior à do Norte, mas também aqui os candidatos vitoriosos foram aqueles com mais recursos financeiros. Em Metn, a corrida entre Nassib Lahoud, primo do chefe de Estado (Emile Lahoud), e o ministro do Interior, Michel Murr, teve um resultado previsível. A lista de Murr, que incluía o filho do Presidente, conquistou cinco dos oito lugares. Os outros três foram para o deputado Nassib Lahoud e para os "independentes" Pierre Gemayel (neto e homónimo do fundador do partido Falange) e Albert Mukhaybir. Nos outros dois círculos, a vitória foi para outro aliado de Hariri, o líder druso Walid Jumblatt, cuja lista, Luta Nacional, conquistou os oito lugares em disputa nas montanhas Chouf, deixando de fora o deputado Zahir Khatib - conhecido como candidato dos serviços secretos sírios. Um pouco mais surpreendentes foram os resultados em Ba'bda-Alay, onde a dupla Jumblatt-Hariri conseguiu oito dos onze lugares. O rival de Jumblatt, Talal Arslan, manteve o seu lugar, assim como Ali Ammar do Hezbollah. Mas o deputado Elie Hobeika, ex-membro das Forças Libanesas e artífice dos massacres de palestinianos nos campos de refugiados de Sabra e Chatila (1982), perdeu o seu lugar. Aparentemente, os eleitores do Hezbollah recusaram-se a acatar a decisão do partido de incluir Hobeika na sua lista. Além de uma vitória confortável dos aliados de Hariri, a primeira volta constituiu uma derrota para as listas pró-governamentais e para candidatos tradicionalmente bem relacionados em Damasco. A questão que agora se coloca é a de saber o que o êxito do ex-primeiro-ministro e a mudança de prioridades em Damasco significam para o seu futuro político. [Ontem, o jornal governamental sírio "al-Thawra" escrevia na sua primeira página que Damasco não faz distinções entre os vários candidatos: "A Síria está à mesma distância de todos os partidos libaneses."]Neste momento, é prematuro especular sobre os resultados finais. O Líbano realiza habitualmente as eleições em mais do que um dia para poder lidar - ou inverter - tendências menos felizes manifestadas na primeira volta. Poderá fazer o mesmo hoje, embora nunca tenha tido pela frente um adversário com o peso de Hariri. Mas o facto de ganhar - ou comprar - uma importante percentagem do voto popular não significa necessariamente que Hariri venha a ser convidado para reassumir a chefia do Governo. A popularidade tem de ser complementada com contactos em Damasco - algo que Hariri tem bastante, sobretudo com o regresso ao círculo restrito do novo Presidente sírio, Bashar al-Assad, do ex-chefe das forças armadas Hikmat Shihabi e com o reforço do vice-presidente Abdel Halim Khaddam. Outro obstáculo se coloca a Hariri (o mesmo, aliás, que levou à sua demissão): Emile Lahoud. Damasco continua a precisar do actual Presidente libanês, e pouco parece ter mudado, pelo menos publicamente, na animosidade pessoal entre Lahoud e Hariri. A necessidade de uma alternativa é tida como a principal razão para Najib Miqati estar a ser projectado para o cargo de primeiro-ministro. O apoio de Hariri à lista Miqati-Franjieh no Norte do Líbano pode ser a forma de o milionário garantir que - mesmo não assumindo o cargo imediatamente - terá um lugar vital na constelação do poder.

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