Torne-se perito

Os filhos rebeldes de Arafat

Os palestinianos costumam ironizar que a melhor qualidade de Arafat é não ter um herdeiro designado. Zawa, a menina nascida do seu casamento com a cristã Suha, dificilmente poderá aspirar ao posto de presidente. Tivesse ele um filho e a sucessão já estaria garantida, como Assad na Síria. Assim, jovens líderes da Fatah - a maior facção da OLP -, como Marwan Barghouti, Dalal Salameh ou Hussan Shaheen ainda poderão um dia vir a ocupar o lugar do "velho do kaffyeh".

Entra-se no gabinete de Marwan Barghouti em Ramallah e a impressão é a de que se entrou no quartel-general de Napoleão. Baixo e redondo, olhos que indagam e sorriso tímido, o secretário-geral da Fatah na Cisjordânia contém gestos e dispara palavras como farpas. Não é por pertencer à maior facção da OLP, ambas presididas por Yasser Arafat, que ele tem medo do líder. "O povo pode fazer o que quiser, apesar das decisões da Autoridade Palestiniana", sublinha. É por declarações como esta que Barghouti, 40 anos, é considerado um potencial sucessor de Arafat. Diplomatas estrangeiros batem-lhe à porta para o ouvir. E a sua popularidade nos territórios é superior à do presidente palestiniano. Sobretudo desde que, no mês passado, conseguiu unir todos os grupos políticos, incluindo a oposição islamista, em manifestações de solidariedade com os presos palestinianos em greve de fome nas cadeias israelitas. O preço "foi elevado": oito mortos e mais de mil feridos."Creio que esta pequena Intifada se vai repetir no futuro", disse ao PÚBLICO. "Talvez a Autoridade Palestiniana tenha tentado diminuir a violência. Na primeira semana apoiou os protestos; na segunda tentou proibi-los; e na terceira decidiu acabar com eles. Mas ninguém nos pode impedir de lutar. Vai haver muitos e grandes confrontos com Israel". O desafio está lançado, e é por isso que os israelitas têm vindo a fazer os possíveis para desacreditar Barghouti. Acusam-no de "instigar a luta armada". Não o querem como herdeiro de Arafat. Preferem os dóceis Abu Ala ou Abu Mazen, a velha geração do exílio, mais disposta a compromissos do que a nova geração da revolta das pedras (1987-1994), relutante a abdicar de direitos nacionais."Os palestinianos vão lutar se, dentro de dois ou três meses, continuar a política de terror de construção de colonatos e expropriação de terras, e se Israel não aceitar partilhar Jerusalém nem reconhecer o direito de retorno dos refugiados", anuncia o antigo estudante da Universidade de Bir Zeit que o actual primeiro-ministro israelita, Ehud Barak, mandou deportar em 1987, quando era chefe de Estado-Maior do Exército. "Temos de fazer algo para aumentar a pressão".Barghouti não vê, porém, os palestinianos a imitar a táctica de guerrilha do Hezbollah. "Porque a Cisjordânia, para os israelitas, não é o mesmo que o Sul do Líbano". A estratégia que defende é diferente. Como membro do conselho revolucionário da Fatah, do comité central da OLP e deputado no Conselho Legislativo Palestiniano, ele quer que Arafat proclame unilateralmente um Estado se até 13 de Setembro não houver acordo sobre o estatuto final dos territórios. A sua opção favorita seria a de "um só Estado, democrático, com direitos iguais para todos os cidadãos". E não lhe digam que ele persegue um sonho. "Lembro-me quando fui preso há 22 anos, pela segunda vez. Após 32 dias de tortura, eu disse aos interrogadores que a Palestina haveria de ser libertada. Eles responderam: 'Estás a sonhar'. Em 1987, quando fui deportado, um oficial israelita gritou-me: 'Nunca mais voltarás!'. Eu retorqui: 'Havemos de voltar'. E cá estamos nós na Palestina, parcialmente libertada".Só que Barghouti cansou-se das batalhas com Arafat. Confessa que quer deixar de ser secretário-geral da Fatah na Cisjordânia, mantendo, porém, todos os outros cargos políticos. Está entusiasmado com a nova disciplina (democracia, sociedade civil e corrupção) que, como professor, introduziu no curso de Ciência Política na Universidade Al-Qods, em Jerusalém. Como aluno, demorou mais de uma década para acabar (em 1998) o seu curso de Relações Internacionais em Bir Zeit. Atribui a culpa a Israel que várias vezes o prendeu e o expatriou durante sete anos.Admite ele vir, um dia, a suceder a Arafat? "Não! Ainda é muito cedo!"Nos territórios ocupados/autónomos, já quase ninguém fala de Hanan Ashrawi, a eloquente professora de Literatura Inglesa que, na conferência de paz de Madrid, em 1991, transformou os palestinianos de "terroristas" em "nação". A nova estrela é agora Dalal Salameh, 34 anos, o mais jovem membro do Conselho Legislativo Palestiniano (CLP, parlamento).Tão popular é ela em Nablus, sua cidade-natal na Cisjordânia, que o presidente palestiniano não conseguiu convencer o comité central da Fatah a trocá-la nas listas eleitorais por uma poetisa de 75 anos. "Arafat não me conhecia bem e preferia Fadwa Tukan, uma senhora idosa de uma família abastada de Nablus", contou Dalal ao PÚBLICO. "Mas, Arafat também não conhecia bem Fadwa e mandou-a chamar, para a cumprimentar. Quando se apercebeu da sua idade avançada, comentou: 'É melhor que ela continue a escrever poemas'".Dalal tanto elogia como critica Arafat nas declarações que faz na sede da Associação de Mulheres da Fatah. O seu gabinete ocupa três salas, situadas entre uma casa de jogos só para homens e uma loja de produtos de beleza feminina. O "hijab" (lenço) branco, atestado de devoção islâmica, está preso ao pescoço de Dalal com um alfinete, mas não tapa o seu luminoso sorriso. Ela dá gargalhadas sonoras quando se entusiasma. Interrompe o discurso em inglês para raciocinar em árabe. É ela quem conduz a conversa. "Iniciei-me muito cedo na vida política", explica, com vaidade assumida. "Depois de ter acabado o liceu, em 1984, fui para a Universidade de An-Najah [em Nablus] e aqui me tornei membro do Shabiba, o movimento juvenil da Fatah. Dois anos depois candidatei-me à eleição para o Conselho dos Estudantes e venci. Nenhuma outra mulher o conseguira antes de mim".Em 1987, os israelitas colocaram-na sob prisão domiciliária durante seis meses. Já tinha, porém, construído uma base de apoio junto dos estudantes. Quando eclodiu a Intifada, todos os líderes universitários se tornaram líderes da revolta nas suas respectivas áreas. Em Nablus, Dalal foi designada coordenadora do movimento de mulheres da liderança unificada. O seu contacto entre as diversas facções deu-lhe "poder e experiência política". Em Janeiro de 1996, com os votos dos estudantes de An Najah, das mulheres com quem trabalhou e dos vizinhos no campo de refugiados de Balata onde nasceu e vive, Dalal chegou ao parlamento. "É uma instituição muito importante para a sociedade palestiniana", salienta, rejeitando a ideia de que o CLP só faz o que Arafat manda. "Apesar de nem sempre estarmos de acordo, em quatro anos conseguimos que ele aprovasse 35 leis. Fizemos algo que será a base legal de um Estado para todos os palestinianos, vivam eles em Gaza ou na Austrália".Dalal fez da política a sua opção de vida. "O tempo para constituir família já passou". E admite ela a possibilidade de se candidatar à sucessão de Arafat? "Não estou interessada e também não creio que seja possível, a curto prazo, uma mulher vir a ser presidente. A sociedade não o permite, e não é por estarmos no mundo árabe. No Ocidente só nos países nórdicos se encontram mulheres na chefia do Estado e do Governo."Tem 25 anos. É pequeno como Al Pacino, o cabelo parece o de George Clooney em "Romance Perigoso", e o andar é do estilo Richard Gere em "Oficial e Cavalheiro". Com óculos escuros confunde-se com um agente do Shin Bet, a segurança interna de Israel. Chama-se Hussan Shaheen e é líder do Shabiba, a Juventude da Fatah, na Cisjordânia. Os israelitas conhecem bem este "shebab" (jovem) residente numa aldeia próxima de Jerusalém. Todo o seu cadastro de activista da Intifada - foi preso 17 vezes - está inscrito nos computadores da polícia, do exército e dos serviços secretos. Ele não se arrepende de nada e tem orgulho em relatar a sua "carreira". Em 1987, aos 12 anos, já organizava protestos e manifestações. Quando os clubes de jovens e as escolas foram fechadas - Israel descobrira que Shabiba era sinónimo de Fatah -, o movimento formou comités populares. "Toda a liderança tinha uma liderança sombra; assim que os líderes eram presos, os líderes-sombra substituíam-nos e estes logo constituíam a sua equipa-sombra. Foi assim que sobrevivemos".Quando Arafat assinou os acordos de Oslo, em 1993, "nem todos aceitaram bem", reconhece. "Concordámos em negociar mas a revolução ainda não acabou. Continuamos a lutar. Estamos a favor da Autoridade Palestiniana quando tem razão; estamos contra quando não tem."Como um filho rebelde, Hussan adverte o presidente palestiniano para não fazer mais concessões a Israel: "Se não houver paz, voltaremos a ser de novo combatentes de rua".

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