"Em Órbita" faz 35 anos

Graças a ele ouviram-se pela primeira vez em Portugal Simon and Garfunkel, os Doors, os Bee Gees, os Jefferson Airplane, os Procol Harum. Com ele, a esteofonia e a FM deram os primeiros passos entre nós. Só ele recebeu um prémio internacional de rádio. Com ele se formaram musicalmente milhares de portugueses. Ele é o "Em Órbita", o mais célebre programa da rádio portuguesa.

"Em Órbita", o mais famoso programa de autor da história da rádio portuguesa, comemora hoje 35 anos com a primeira audição em Portugal da "Paixão Segundo S. Marcos", de Bach, na Antena 2. Trata-se de uma reconstrução da obra feita pelo escocês Ton Koopman, o maior intérprete vivo de Bach, disse à Lusa Jorge Gil, autor de sempre do programa."A partitura original perdeu-se e Ton Koopman levou mais de dois anos a reconstruir a obra, cujo libreto está porém intacto", explicou. A orquestra e coros de Ton Koopman, de 52 elementos, abre no dia 6 de Abril, na Sé Catedral de Lisboa, a série de concertos da Portugal Telecom, patrocinadora do "Em Órbita", ao abrigo da Lei do Mecenato Cultural.A primeira emissão do "Em Órbita", no então Rádio Clube Português, foi para o ar no dia 1 de Abril de 1965, com a música pop anglo-saxónica, e um instrumental dos Kinks, então inédito em Portugal, "Revenge", como indicativo."Se quisesse punha agora no ar, com toda a fidelidade, qualquer dos primeiros programas", afirma Jorge Gil, um dos grandes responsáveis pelos primeiros passos do FM e da estereofonia na rádio portuguesa.Hoje, com 55 anos, mantém-se firme na inovação radiofónica, como único autor do "Em Órbita", na Antena 2, privilegiando a "música dos finais do século XIV até ao século XVIII". "A música - e chamo só música, sem adjectivos - atingiu um brilhantismo inexcedível naquele período. Além da música, há também um tipo de espiritualidade não confessional que não teve sucedâneo nos séculos seguintes", explica. Jorge Gil não gosta de falar dos programas antigos, cultiva o anonimato. "Pôr as coisas antigas no seu devido lugar é também fazer a revolução". Mas, depois de muitas insistências concede em considerar que os primeiros programas foram um "caso raro na rádio portuguesa" e que, "se alguma importância tiveram, ela traduziu-se na transição para o que se seguiu". Era uma época em que se desconhecia, por completo, o que estava a acontecer em matéria de música popular em países como a Inglaterra e os Estados Unidos. "Na altura, prevalecia a divulgação de subprodutos saídos das editoras espanholas, italianas e francesas, reveladoras do mais completo conformismo face ao gosto dominante do grande público". "Em Órbita" foi então o grande responsável pela divulgação em Portugal da chamada música pop. Foi nele que os portugueses ouviram pela primeira vez Simon and Garfunkel, Donovan, Jefferson Airplane, Tim Buckley, Bee Gees, Beach Boys, Janis Ian, Doors, Procol Harum e muitos outros."Hoje em dia continuo a funcionar sozinho. Sempre fiz tudo sozinho. Imagino, realizo, gravo em casa, mas não assino. O 'Em Órbita' é um programa anónimo, sem assinatura. Nunca ao longo destes anos foi dito um nome sequer".As vozes mais famosas dos primeiros programas eram, além de Cândido Mota, as de Pedro Castelo e João David Nunes. A partir de 1969, nasceram as "Novas Aventuras do Em Órbita", com a introdução de música clássica, a qual passou a exclusivo a partir de Janeiro de 1974. "Foi uma opção consciente. A música anglo-saxónica já nada me dizia. A minha transformação operou-se enquanto estudante de Arquitectura, em Belas-Artes, com as lições de "Conjugação das Três Artes", de Manuel Rio de Carvalho".Em 1967, o "Em Órbita" ganhou o Prémio Internacional Ondas, único alguma vez atribuído a Portugal. Nesse programa, foi incluída, pela primeira vez, música portuguesa, "A Lenda De El-Rei D. Sebastião", do Quarteto 1111, com a seguinte explicação: "É o sebastianismo colectivo que na lenda se retrata, a ideologia negativista dos que se alimentam da crença irracional em coisas, em valores, em poderes que não existem. Dos que se deixam enganar pelos falsos Messias do oportunismo e da mistificação. Uma tentativa honesta e inédita de lançamento das bases de uma música popular que todos nós, em boa consciência, queremos renovada por inteiro".Jorge Gil arquiva em casa "milhares de páginas" com os textos do programa. "Cada programa tem 20 páginas de texto". Recusa-se a publicar os textos, porque, diz, são "textos orais, unicamente para serem lidos na rádio".Em 1993, Jorge Gil foi despedido da Rádio Comercial, porque, segundo lhe foi dito, o programa não tinha cabimento na nova grelha da rádio. "Depois estive meio ano, para esquecer, no Rádio Clube Português. Prefiro não falar desse período".Desde 3 de Abril de 1998, o "Em Órbita" está semanalmente na Antena 2, às sextas-feiras, das 23h00 às 01h00. *jornalista da Lusa

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