A geração de 80 chegou à idade dos prémios

Tal como Carrilho prometera, os prémios de artes plásticas e de arquitectura da Associação Internacional de Críticos de Arte duplicaram este ano de valor: 1500 contos. Mas a principal novidade de um galardão que vale sobretudo pelo prestígio que tem é a escolha de Pedro Cabrita Reis e da dupla de arquitectos Manuel Graça Dias/Egas José Vieira, consagrando em pleno a geração de criadores revelada nos anos 80.

Quando ontem falaram com o PÚBLICO, os contemplados com os prémios da Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA) ignoravam o valor pecuniário do galardão, até porque, como referiu Manuel Graça Dias - distinguido, na área da arquitectura, a par do seu colaborador Egas José Vieira -, ele "vale pelo prestígio que tem". Talvez por isso, nem os próprios membros do júri estavam absolutamente seguros do montante do prémio. Pedro Cabrita Reis, de 43 anos, distinguido no campo das artes plásticas, garantiu mesmo: "Não faço qualquer ideia de que o prémio tenha valor pecuniário". Desfeitas as dúvidas, adiantou que a importância do mesmo se deve, acima de tudo, ao facto de ser atribuído por "uma estrutura como a AICA". "Os prémios são sempre lisonjeiros porque representam o interesse de um conjunto de pessoas pelo trabalho de alguém", acrescenta.No valor de 1500 contos, o Prémio AICA é tido como o mais prestigiado dos galardões no campo das artes plásticas, e é atribuído, desde 1981, pela secção portuguesa daquela associação de críticos de arte. O montante do prémio duplicou em relação ao ano passado, tal como o ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho, havia prometido. O Prémio AICA nasceu de um protocolo entre o Ministério (então secretaria de Estado) da Cultura - que, através do Instituto de Arte Contemporânea, disponibiliza a verba - e a Associação Internacional de Críticos de Arte.Presidido por José-Augusto França, o júri da edição deste ano foi constituído pelo presidente da secção portuguesa da AICA, Rui Mário Gonçalves, pelo crítico Fernando Pernes e pelos arquitectos Carlos Duarte e José Manuel Fernandes, que decidiram, por unanimidade, contemplar a dupla Graça Dias/Egas Vieira e Pedro Cabrita Reis.A revelação dos premiados trouxe algumas novidades, nomeadamente o reconhecimento de um artista da geração dos anos 80, Pedro Cabrita Reis, que, apesar de ser um dos raros responsáveis pela internacionalização da arte portuguesa, marca uma viragem na galeria de contemplados, até aqui limitada a nomes sobejamente consagrados, como os de Paula Rego, Joaquim Rodrigo, Álvaro Lapa, Júlio Pomar ou Nikias Skapinakis. "Parecia estar reservado a pessoas em fim de carreira", resume Graça Dias. José-Augusto França, presidente de júri, relativiza: "Estamos no ano 2000, o que, em relação aos anos 80, é já um recuo de 20 anos."A verdade é que um primeiro sinal de abertura já tinha sido dado no ano passado, em Novembro, aquando da atribuição do Prémio Maluda de Pintura a Ana Vidigal, decisão que coube a um júri formado quase exclusivamente por membros da AICA (à excepção de um). "O facto de Pedro Cabrita Reis ter sido premiado abre as portas a uma série de artistas como o Pedro Calapez, a Ana Vidigal, o Julião Sarmento ou o Pedro Casqueiro, pessoas mais novas que não se estava a ver quando é que seriam premiados...", diz Manuel Graça Dias, depois de se referir ao ineditismo da atribuição do prémio a uma dupla de arquitectos. "Foi com uma certa alegria que recebi a notícia, porque, por um lado, o júri teve a sensibilidade de não entregar o prémio só a mim, mas também ao Egas [José Vieira], o que faz todo o sentido porque o trabalho que temos vindo a fazer desde o Pavilhão de Portugal na Expo'92 de Sevilha é compartilhado; por outro lado, isso coloca o Egas como o mais jovem contemplado de sempre", adianta.Graça Dias, de 47 anos, associou-se a Egas Vieira, de 38 anos, em 1985 (ver texto ao lado) e desde então os dois arquitectos têm desenvolvido em co-autoria a maior parte dos seus projectos. O pavilhão português na exposição de Sevilha traz maior visibilidade à dupla, que até então desenvolveu os seus projectos de forma mais descontinuada. No ano passado, a proposta dos dois arquitectos para a edificação de uma "Manhattan" nos antigos estaleiros da Lisnave, em Cacilhas, provocou larga discussão e conferiu alguma atenção mediática a Graça Dias e Egas Vieira. Apesar de contemplar o conjunto da obra, o Prémio AICA toma como pretexto um projecto concretizado no ano anterior: no caso de Pedro Cabrita Reis, a exposição antológica realizada no Museu de Serralves, em Novembro do ano passado, intitulada "Da Luz e do Espaço" (ver texto ao lado); no caso dos arquitectos, o Edifício Politécnico do Instituto Superior de Ciências da Saúde, no Monte da Caparica, em Almada. Sobre Cabrita Reis, José-Augusto França disse ao PÚBLICO tratar-se de "um dos nomes mais importantes no domínio das instalações e um artista com uma grande consciência estética e plástica", acrescentando que "a exposição de Serralves é uma das melhores do género que se fizeram em Portugal desde sempre". E se a mostra de Cabrita Reis denotava uma evolução da pintura, escultura e das instalações para a concepção de espaços arquitectónicos, Manuel Graça Dias adianta que as peças "eram de um fôlego muito grande" e que a exposição "foi coerente com a própria arquitectura do edifício de Siza Vieira". Cabrita Reis retribui o elogio: "Sempre gostei do trabalho dos dois [Graça Dias/Egas Vieira]. Quer do ponto de vista da obra realizada, quer do ponto de vista da actividade pedagógica e crítica, foi sempre um dos núcleos mais importantes da moderna arquitectura portuguesa.""Eles já mereciam o prémio há muito", assegura José Manuel Fernandes, membro do júri. "A arquitectura deles é heterodoxa e única no panorama nacional, com muita vivacidade, recorrendo a aspectos figurativos sem cair no neo-modernismo bacoco. É sempre um bocadinho irónica, tem sempre algo de autocrítica. Está sempre a avançar."Os projectos em curso desta dupla incluem a sede do semanário "Expresso", na Rotunda da Boavista, em Lisboa, o Teatro Municipal de Almada, um conjunto urbanístico em Guimarães e a conclusão do "campus" universitário do Instituto Superior de Ciências da Saúde, cujo segundo edifício, destinado aos anfiteatros, está já em construção. "São vários edifícios acoplados uns aos outros, no fundo, é um somatório de volumes que deverá constituir um organismo, com um ar de pequena cidade", explica Graça Dias. É, como ele próprio diz, um "work-in-progress" a concluir dentro de cinco ou seis anos. O edifício que valeu o prémio aos arquitectos é formado por dois blocos longitudinais de diferentes dimensões, revestidos por grelhas de alumínio cinzento, e prolongados, num dos extremos, por uma torre (escadaria) de reboco, "como se fosse um volume à parte", segundo Graça Dias. "Foi procurada uma amálgama, uma mistura, tanto formal como a nível de texturas e de reacção à luz, de forma a criar um universo animado", esclarece. José Manuel Fernandes descreve Manuel Graça Dias como "um actor da cultura arquitectónica, para além de ser arquitecto. Há toda uma actuação intelectual e crítica. E isso é raríssimo."

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