"A pop tem os dias contados"

Dois anos depois de "Mosquito", os GNR estão de regresso com o seu novo álbum de originais . Chama-se "Popless" e é segundo os seus elementos "o disco mais GNR que os GNR fizeram desde há uns bons anos para cá". Mas é também "um disco frágil" e "mais melancólico", um álbum de canções pop escrito por uma banda para quem "a pop tem os dias contados". Rui Reininho e Tóli César Machado explicam porquê.

Para os GNR, a pop tal como sempre a conhecemos tem os seus dias contados. A canção que ao longo dos últimos 40 anos ajudou a definir parte da cultura popular dispersou-se e vulgarizou-se, as suas fronteiras tornaram-se indefinidas e hoje todos reclamam o direito ao seu feudo. "Veja-se o caso das 'boys bands'", propõe Rui Reininho, o líder dos GNR. "Confesso que fico um pouco baralhado quando os oiço falar em canções. Será que estes gajos têm mesmo canções? É por estas e por outras que a pop tal como fomos educados a conhecê-la tem os seus dias contados. Por um lado tornou-se tão ligeira que todos se reclamam seus herdeiros, por outro tornou-se tão sofisticada que deixou de ser pop para passar a ser outra coisa qualquer. E a única coisa que parece ter ganho com tudo isso foi uma conotação negativa, uma dispersão tão vasta que lhe retirou autenticidade, algo que mais tarde ou mais cedo a condenará ao desaparecimento."Reininho não aponta uma solução regeneradora para a pop, mas lança algumas pistas sobre aqueles que considera serem os caminhos mais viáveis para o universo da canção à entrada de um novo milénio: "Agora que se anuncia o fim da pop com a morte do papa", diz, "se calhar estamos a entrar no período do pós-pop, um período em que uma outra pop surgirá, ligada aos mandamentos da 'dance music', na qual a palavra não é tão utilizada. E depois esse é também o tipo de pop de que eu mais gosto, caso do Jay Jay Johansson, e é bom estar nesta era. Estou à vontade, sempre gostei do festival da canção pós-festival da canção, do Marc Almond, coisas que oiço em casa quando estou bem disposto", conclui. "Popless", o novo álbum de estúdio dos GNR, não é uma espécie de receita medicamentosa capaz de devolver à pop o lugar fundador que esta ocupou ao longo das últimas quatro décadas de cultura popular. "Nem sequer é nossa intenção fazê-lo", diz Tóli César Machado, baterista e compositor da banda portuense. É quando muito um disco que retoma o perfil clássico da pop a que os GNR nos habituaram, "sem solos acrobáticos de guitarra", mas com as devidas actualizações que o passar do tempo reclama, "o disco mais GNR que os GNR fizeram desde há uns bons anos para cá", segundo Reininho.Em suma, não é um disco menos pop, como o seu título nos quer fazer crer: "O título foi retirado de um 'flyer' de um daqueles bares 'topless' que me deram na rua em Madrid", adianta o vocalista dos GNR. O 'flyer' serviu-me de marcador para um livro que tinha comigo quando estávamos em ensaios, e hoje é uma das coisas que tenho afixadas na parede. Embora possam pensar assim, não tenho 'posters' do Porto, do Benfica ou do Salgueiros", ironiza. O álbum foi produzido pelo brasileiro Nilo Romero - produtor de renome ligado a artistas como Cazuza, Paulinho Mosca e Kid Abelha - e as suas 10 faixas introduzem uma série de novidades relativamente ao anterior "Mosquito", lançado em 1998. "O 'Mosquito' é um disco mais experimental, no sentido em que é mais confuso, mais manta de retalhos. Aqui já há um caminho, uma ideia", diz Tóli César Machado. "Por um lado pode ser super-'cool', mas por outro também tem mais 'power'", responde Reininho. "Os temas que seleccionámos têm todos a ver uns com os outros, o que não acontecia no 'Mosquito', onde quisemos arriscar outras coisas. É definitivamente outra colheita", prossegue o baterista dos GNR. "É um disco frágil, mas que não faz concessões. É um álbum com clima, um microclima. É um disco mais melancólico, mais negro... Negro também não! Amarelo torrado, talvez", elucida Reininho. O álbum abre com "Popless", um tema construído a partir de uma base de improvisação vocal que não é comum encontrar na obra dos GNR. "Já o tinha feito nos 'Defeitos especiais' e em mais um ou outro tema", diz Reininho, "mas não é certamente algo que esteja habituado a fazer. O tema não tem um texto rígido, é uma espécie de vaga de improvisação dentro do pop-rock, uma fuga a formato, pouco feita em Portugal. São aquelas manias que uma pessoa quer ter...", ironiza o líder dos GNR. Segue-se "Asas (eléctricas)", que Tóli César Machado define como "o nosso 'Mosquito' deste álbum": "A canção ficou ligada a um telefilme que passou na SIC e para o qual escrevemos a banda sonora. A base instrumental do tema estava feita e o Rui escreveu a letra depois de ter lido o guião, que era bom, era engraçado", diz o baterista. "Sim, se bem me recordo foi uma noite de meia garrafa", explica Reininho. "Bem-vindo ao passado" é um título no mínimo mais enigmático, mas a banda desfaz logo o potencial sentido nostálgico que a expressão eventualmente encerra: "Não tenho saudades nenhumas do passado", confessa César Machado. "Não renego o que fiz, mas não voltava a fazê-lo, até porque o que passou passou e não há nada que possamos fazer para mudá-lo. É um bocado como nas fotografias antigas, não é? Uma pessoa não gosta de se ver... [pausa] Bom, eu pelo menos não gosto", admite com um ar desconfiado. "Tinhas um penteado porreiro na altura", responde Reininho, prosseguindo com a sua visão pessoal do tema: "Para mim é um tema minimal, acho que nunca escrevi tão pouco desde o 'Dunas'. Não há cá grandes coisas, são só três ou quatro frases. É sempre a mesma coisa", diz o vocalista dos GNR. Até final destacam-se ainda "L's" e "Essa fada", dois temas que voltam a introduzir novos elementos na obra do GNR. "O 'L's' é a nossa primeira incursão no chamado 'easy-listening'", diz Reininho, "mas com muita piada. É como se nos imaginássemos na pele de uma banda de hotel chique, daquelas que recebem no grande espaço do 'lobby' os respectivos convivas, o que, confesso, é um grande sonho meu. E depois tem aquela atmosfera brasileira que me agrada muito", continua. Já "Essa fada" explora em jeito de fantasia o imaginário pessoal do líder dos GNR, que desce à idade e aos lugares da infância e assina "um conto para crianças contado por adultos": "Eis um bom exemplo daquilo que nunca conseguiríamos fazer com orquestras portuguesas ou europeias", diz Reininho, "mas que o Jacques Morelembaum e a sua equipa, com quem gostámos imenso de colaborar, fazem sem qualquer vergonha: aquelas descidas todas à Peter Pan, aquela sonoridade que parece saída do filme da Branca de Neve, todo aquele imaginário do cinema de Walt Disney, tudo isso está lá. É um espécie de mergulho à Esther Williams, um 'music-hall' antigo e de certa forma abstracto. A música tem essa magia. E depois é muito boa para conquistar raparigas. De facto, tem resultado", conclui. Haverá em Portugal alguém mais pop?

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