O Cabral moderno passou por Portugal

O conceituado realizador brasileiro Nélson Pereira dos Santos terminou anteontem, em Coimbra, as filmagens para uma série televisiva que vai recordar a vida do escritor Gilberto Freyre e a sua obra maior, "Casa Grande e Senzala". Na gaveta ficou, para já, uma longa-metragem sobre a vida do poeta Castro Alves, para a qual o realizador chegou a convidar a actriz Maria de Medeiros.

Chamar-se-á "Gilberto Freyre, o Cabral Moderno" o primeiro episódio de uma série televisiva que o canal brasileiro GNT/Globosat vai dedicar ao autor do livro "Casa Grande e Senzala", considerado uma autêntica história da formação do Brasil a partir de três matrizes fundamentais: os portugueses, os africanos e os índios sul-americanos. A série está a ser dirigida por Nélson Pereira dos Santos, um dos mais conceituados realizadores brasileiros, é produzida por Walter Salles (realizador do filme "Central do Brasil") e as filmagens do primeiro episódio terminaram anteontem, em Coimbra, tendo passado também por Lisboa.Segundo Nélson Pereira dos Santos, o primeiro episódio trata da biografia de Gilberto Freyre, que manteve uma grande relação com Portugal. "Estudou aqui no início dos anos 20, regressou em 1930 como exilado político e, depois, já como autor consagrado, recebeu um doutoramento 'honoris causa' na Universidade de Coimbra. E foi aqui que começou a escrever o livro", explica o realizador. Em declarações ao PÚBLICO, no final do último dia de filmagens, Nélson Pereira dos Santos recordou ainda que Freyre, na sua pesquisa, viajou também pela África de expressão portuguesa, tendo sido o autor do conceito de "eurotropicalismo" que normalmente se associa à civilização brasileira.Justificando o título do primeiro episódio, o realizador relembra ainda que foi o próprio Gilberto Freyre que reclamou para si o estatuto de "o Cabral moderno" quando disse que, se Pedro Álvares Cabral descobriu fisicamente o Brasil para os europeus, tinha sido da sua responsabilidade a descoberta do Brasil cultural e psicológico para os brasileiros. "E fê-lo, na 'Casa Grande e Senzala', através do sexo e da comida", gracejou Nélson Pereira dos Santos.Este primeiro episódio deverá ser exibido no canal GNT (acessível na TV Cabo), já no próximo mês de Abril, tendo a equipa liderada por Pereira dos Santos passado pelo que resta da Coimbra e da Lisboa que Gilberto Freyre conheceu nos anos 20 e 30. O Museu Etnográfico Leite de Vasconcelos, o Instituto Ultramarino, a Biblioteca Nacional e a Universidade de Coimbra foram alguns dos locais visitados por este documentário. A série contará com mais três episódios, os quais farão uma transposição do livro, com a necessária reconstituição de época, devendo Nelsón Pereira dos Santos regressar a Portugal em Maio para novas filmagens. "Talvez, nessa altura, seja necessário recorrer a actores portugueses", adiantou o realizador ao PÚBLICO.Nélson Pereira dos Santos, recorde-se, é um dos nomes mais importantes do cinema brasileiro deste século, tendo estado ligado ao movimento do "cinema novo" que marcou a cinematografia do Brasil a partir dos anos 60. Nascido em São Paulo em 1928, conta com uma extensa filmografia, entre a qual se contam algumas obras de referência do cinema brasileiro. "Rio 40 Graus" (1955), "Barravento" (1961), "Vidas Secas" (1963), "Tenda dos Milagres" (1977), "Memórias do Cárcere" (1984) e "Cinema de Lágrimas" (1995) são alguns dos seus filmes mais conhecidos. De resto, a próxima edição do Fantasporto, que se inicia no próximo dia 25, vai dedicar uma mostra a este realizador.Em declarações ao PÚBLICO, Nélson Pereira dos Santos acrescentou que a realização da série sobre Gilberto Freyre o obrigou a suspender o seu mais recente projecto cinematográfico. O realizador não sabe ainda se o retomará posteriormente, mas adiantou que o seu título é "Guerra e Liberdade", baseado na história do poeta Castro Alves, tendo Pereira dos Santos chegado a convidar a actriz portuguesa Maria de Medeiros para desempenhar a personagem de Eugénia da Câmara - a mesma que coube a Amália Rodrigues numa versão da mesma história realizada, em 1940, por Leitão de Barros e que tem por título "Vendaval Maravilhoso".

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