Os amigos de Savimbi

Outrora, quando vigorava a guerra fria e a UNITA travava uma luta de morte contra o poder do MPLA, com o apoio da África do Sul racista e a compreensão dos Estados Unidos e das restantes potências ocidentais, alguns portugueses prestaram-se a exprimir o seu apoio a Savimbi através de aventurosas viagens à Jamba, a então capital do poder rebelde, perdida na ponta sudeste de Angola. Entretanto, Angola e o Mundo deram uma volta. A guerra fria acabou. E, antes disso, já o regime angolano tinha iniciado um processo de transição política, estabelecendo um quadro constitucional e político baseado nos princípios da democracia pluripartidária e do Estado de direito. Houve a paz de Bicesse e as eleições democráticas, a inequívoca derrota política da UNITA e o seu regresso às armas e a reedição da guerra. Houve a paz de Lusaca, em que aquela se comprometeu definitivamente a desmilitarizar-se e a entrar como partido político civil na vida política angolana, compromisso que nunca teve a mais leve intenção de cumprir. Não se desmilitarizou, não integrou os seus territórios na administração do Estado, antes se rearmou e se preparou para a conquista do poder pelas armas. Voltou-se à guerra, mais devastadora ainda do que as anteriores. Tudo indica que essa guerra vai ser mais uma vez perdida pela UNITA, agora sem apelo nem agravo, desta vez com universal aplauso e alívio internacional, com a comunidade internacional colocada, como era seu dever, ao lado do poder legítimo contra o usurpador, do agredido contra o agressor, das vítimas contra o algoz. É neste contexto que, aqui há dias, um reduzido número de antigos excursionistas da Jamba resolveu reunir-se para reiterar a sua solidariedade à UNITA, a par de uma expedita condenação do Governo de Angola. Tudo isto seria ridículo se não fosse patético. Se a sua solidariedade podia ter tido algum sentido há 15 ou 20 anos, no quadro do conflito global entre blocos políticos e ideológicos, quando o regime monopartidário de Luanda não podia invocar legitimidade democrática e quando a UNITA podia ainda fazer de conta, para os crédulos, que lutava pela democracia em Angola, que sentido tem hoje, porém, a solidariedade com o carniceiro do Huambo, depois de Bicesse e de Lusaca, depois das eleições democráticas de 1992, depois do seu ostensivo desafio militar aos seus compromissos com o Governo angolano e com a comunidade internacional? A razão só pode estar em que a UNITA militar, na iminência de nova derrota, quer salvar mais uma vez a pele, arrastar dolosamente um penoso processo negocial, que aproveitará para se rearmar e manter por tempo indefinido a guerra, a rapina das riquezas do país, com que paga as armas e engorda as contas pessoais do seus dirigentes, e sobretudo para prolongar o sofrimento do povo angolano. Mas, desta vez, dificilmente vai ter uma terceira oportunidade, depois de ter traído as duas anteriores. A mórbida atenção que alguns meios nacionais de comunicação social prestaram ao aplicado grupinho de apoiantes savimbistas, de resto na linha de uma orientação hostil ao Governo de Luanda, como se este não tivesse o pleno direito e legitimidade de se defender da agressão e de não deixar triunfar a usurpação militar do poder, tem infelizmente faltado para relatar a unânime condenação internacional, como sucedeu com a recente sessão do Conselho de Segurança da ONU sobre o assunto, em que o embaixador canadiano, Robert Fowler, chefe da missão para as sanções decretadas contra a UNITA, apresentou novas provas concludentes sobre as responsabilidades e as atrocidades desta, incluindo o derrube de dois aviões civis da ONU. Só a mais cega parcialidade não vê o que está à vista de todos. Podemos e devemos lamentar a tragédia humanitária. Podemos e devemos exortar e encorajar o Governo angolano a melhorar a situação dos direitos humanos, a combater a corrupção e a repristinar logo que possível o processo eleitoral, apesar das dificuldades, limitações e sacrifícios decorrentes do esforço de guerra que lhe foi imposto. Mas releva da mais rematada hipocrisia e do mais solerte farisaísmo associar estas justas inquietações a qualquer condenação do Governo de Luanda quanto à guerra, ou misturá-las com extemporâneos apelos para um impossível diálogo com Savimbi. Hoje, se existe alguma coisa certa, que em Lusaca ainda criou ilusões, é que não pode haver lugar em Angola para a UNITA militar e para o seu líder. A paz duradoura e a retoma do processo de institucionalização democrática em Angola passam pela aniquilação militar e política de Savimbi e dos seus senhores da guerra. Para desgraça de Angola, este já mostrou à saciedade, qual Pol Pot e os seus khmers vermelhos, que com ele nenhum compromisso nem nenhuma coabitação é possível.

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