Moradores da Estivada contra a Câmara de Gaia

A Câmara de Gaia e a empresa Transportes Luís Simões podem vir a sentar-se no banco dos réus, numa acção promovida por algumas dezenas de moradores da Urbanização da Estivada, em Pedroso, Vila Nova de Gaia. Em causa está uma discórdia com origem na delimitação de terrenos e para a qual ambas as partes pediram mediação da autarquia. A promessa por cumprir está a levar os moradores ao desespero.

Os moradores da Urbanização da Estivada, em Vila Nova de Gaia, não se conformam com a localização, nas traseiras das suas casas, de um entreposto da empresa Transportes Luís Simões. Andam há quase um ano a apelar à câmara municipal que sirva de mediadora na resolução de alguns problemas que dizem sentir desde Fevereiro do ano passado. Além da "poluição sonora e ambiental", queixam-se da "insegurança" e da deterioração das infra-estruturas rodoviárias, mas, sobretudo, de "usurpação abusiva de terrenos" durante os trabalhos de vedação - uma vasta área de mancha arbórea foi cortada mesmo até aos quintais das primeiras casas da urbanização. "Tememos que a falta de escoramento das terras - as árvores foram arrancadas de qualquer maneira - ainda nos deite a casa abaixo", apontava um morador, exibindo uma fenda no muro do seu quintal.As críticas são muitas e, segundo os moradores, os problemas reflectem-se sobretudo ao nível da qualidade de vida, que alegam ter diminuído drasticamente desde a instalação da empresa no local. A intervenção da Câmara Municipal de Gaia foi solicitada tanto pelos moradores como pela transportadora e traduziu-se numa reunião de todos os intervenientes. Dessa reunião surgiu apenas um consenso: as árvores seriam replantadas. Muitos meses depois, parece que tudo continua por resolver.Pedro Fernandes, da Transportes Luís Simões, afirmou ao PÚBLICO que a situação é "incómoda" também para a transportadora e rejeita as acusações de que o corte de árvores tenha sido feito de forma "incivilizada". "O que fizemos foi uma limpeza de uma área que tinha muito lixo e infiltração de pessoas com problemas de droga", afirmou, acrescentando: "A delimitação dos nossos terrenos foi feita com base em plantas topográficas da câmara; não andámos a roubar terrenos a ninguém".Delfim Sousa, responsável pelo pelouro do Ambiente da autarquia, telefonou a um dos moradores a informar que "estava pessoalmente envolvido" na resolução do conflito, pelo que seria a própria autarquia a ordenar a replantação das árvores. "Como é um diferendo entre terrenos, estou a tentar resolver o problema com calma e diplomacia. Alguém há-de plantar as árvores, porque o que não falta são pinheiros", advogou, adiantando o prazo de um mês para resolver o conflito."Toda a gente ficou com a casa desvalorizada", sustenta Eugénio Cunha, um dos moradores e subscritor de diversos documentos remetidos à autarquia e ao Ministério do Ambiente. E explica: "Isto já era uma zona industrial, porque antes estava aqui uma fábrica de bolachas. Mas tudo tem limites. A laboração da fábrica não fazia barulhos incomodativos e, a nível visual, estávamos resguardados por uma cortina arbórea, que os senhores da Luís Simões cortaram indevidamente", afirmou. "Agora temos tráfego de camiões contínuo, 24 horas por dia, com barulhos de travões e de buzinas insuportáveis. E isto em artérias que não estão preparadas para receber veículos desta tonelagem", acrescenta João Pereira, outro morador.Para acederem ao entreposto, os camiões circulam pela Rua do 1º de Maio, uma das artérias que dão também acesso à urbanização. Há seis meses, o pelouro de Obras da câmara municipal predispôs-se a pavimentar de novo a via, já que havia muitos buracos causados pela passagem dos camiões. Curiosamente, na intervenção que fez, a câmara beneficiou apenas um dos sentidos da rua, ou seja, apenas metade da faixa de rodagem, dando origem a situações perigosas, uma vez que os veículos dos moradores e os camiões têm tendência a circular, nos dois sentidos, por essa via beneficiada, que deveria ser de sentido único.A este facto acresce que, logo à saída do entreposto, há uma curva fechada, sem visibilidade. "Se não fosse eu a gritar por uma criança que vinha em sentido contrário, ela poderia ter morrido debaixo de um camião", relatou ao PÚBLICO, consternada, Graça Machado, outra moradora, que afirma que a empresa destruiu, junto com as árvores, todo um jardim que ela mesma tinha plantado.A explicação do executivo da Câmara para tão inusitada solução de pavimentar apenas uma via da rua foi dada ao PÚBLICO por Firmino Pereira, responsável pelo pelouro das Obras. "Estávamos com as obras em curso nessa artéria quando fomos informados de que a EDP iria fazer naquele mesmo local uma empreitada de colocação de material eléctrico subterrâneo. Decidimos que não tinha lógica terminar uma estrada que seria esventrada semanas depois", explicou. Como a EDP não fez as obras e já passaram seis meses desde então, Firmino Pereira garantiu ao PÚBLICO que a pavimentação vai ser concluída em breve.Cansados de tantas promessas, os moradores da Estivada ameaçam recorrer aos tribunais. "Numa altura em que tanta gente fala das preocupações ambientais, o tratamento que recebemos é o que se vê: somos tratados como munícipes de segunda", lamentou João Pereira.E, para fazerem valer o seu ponto de vista no desacordo quanto à delimitação dos terrenos, os moradores já recorreram aos serviços de um topógrafo independente, para comprovar que as cartas da urbanização que detêm não são "mapas meramente comerciais".

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