Sob o signo de Andy Warhol

O Museu de Arte Contemporânea de Serralves vai poder contar, a partir de agora, com o seu auditório de 250 lugares. Por ele vai passar uma ambiciosa programação de concertos, cinema, vídeo e artes performativas, sempre em estreia ligação com o calendário das exposições do museu. Que a partir de Fevereiro será marcado pela "fábrica" de Andy Warhol. Entretanto, e não sem alguma polémica pelo meio, desenha-se um novo figurino para a administração da fundação portuense.

Com meio ano de atraso relativamente à inauguração do Museu de Arte Contemporânea de Serralves (MACS), foi ontem apresentado à comunicação social o auditório da fundação portuense. Odete Patrício, directora geral da instituição, justificou o atraso devido à concentração de esforços, quer do projectista, quer do empreiteiro, nos espaços expositivos do museu, o que levou a que os acabamentos e equipamento da sala de concertos fossem realizados mais tarde: "Houve ajustamentos ténicos que se tiveram de realizar; um processo relativamente longo", acrescentou a responsável da fundação.Projectado pelo arquitecto Siza Vieira, o novo espaço tem capacidade para 250 espectadores e está dotado de meios audiovisuais de avançada tecnologia. O estúdio da acústica foi realizado por Daniel Commins, também responsável pelo design sonoro do Teatro la Scala (Milão), da Opera da Bastilha (Paris) e do Centro de Artes Performativas John F. Kennedy (Washington). Relativamente ao equipamento, refira-se que a novidade é a oferta, no ãmbito do mecenato cultural, de um piano Steinway, pelo actual presidente da Fundação de Serralves, João Marques Pinto (ver texto ao lado), que esteve ausente da apresentação do auditório, tal como Siza Vieira. Na sessão de ontem, Odete Patrício sublinhou a vontade de alugar o espaço "para eventos empresariais", como forma de "rentabilizar o espaço". A directora geral, informou ainda que a concha acústica destinada ao palco só estará pronta "daqui a dois meses".A apresentação do auditório foi feita pelo director-adjunto do MACS, João Fernandes, sendo acompanhado na divulgação dos programas sectorais por António Pinho Vargas, Paulo Cunha e Silva e Fernando Pernes. O director adjunto assumiu que o novo espaço irá ser um dos palcos do Porto 2001 - Pinho Vargas referiu mesmo manter actualmente reuniões de trabalho com Pedro Burmester no sentido de organizar a programação da nova sala, que, segundo o estudo de Daniel Commins, é "adequada para pequenos 'ensembles' com cerca de 30 instrumentos".A programação musical do novo auditório terá como momento mais forte duas actuações de John Cale, nos dias 18 e 19 de Fevereiro. Membro de um dos grupos míticos dos anos 60, os Velvet Underground, Cale realiza os espectáculos no âmbito do programa paralelo à exposição "Andy Warhol: A Factory", que inclui ainda concertos do violinista e compositor Tony Conrad (11 de Março) e do pianista Jay Gottlieb (15 de Abril).A música é mesmo a grande aposta da instituição portuense para o arranque do auditório, que abre ao público, no próximo dia 29, com um recital de piano por Miguel Borges Coelho. Do programa desta área, comissariada por António Pinho Vargas, destaca-se o ciclo "On/Off", que incide sobre propostas musicais contemporâneas, sobretudo surgidas nas duas últimas décadas, quando se verifica "a miscigenação dos géneros, de trocas multiculturais e mestiçagens". Esta série de concertos inicia-se com Tony Conrad e prossegue com Anabela Duarte, que apresenta o espectáculo "Máquina Lírica" (11 de Maio), e com os projectos de música electrónica Pole (3 de Junho), Thomas Köner/Andy Mellwig (9 de Junho) e Porter Ricks (10 de Junho) - refira-se que o trabalho destes últimos tem vindo a ser editado pela prestigiada editora alemã Mille Plateaux. A colaboração regular com algumas instituições musicais da cidade - Orquestra Nacional do Porto (ONP), Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo (ESMAE) e projecto Casa da Música - Porto 2001 - é uma das intenções dos responsáveis pelo auditório de Serralves. Solistas, "ensembles" de música de câmara e outras formações preencherão duas temporadas semestrais de concertos, onde serão divulgadas não só obras relevantes do século XX, mas também composições de outras épocas.Assim, a colaboração de Serralves com a ONP inicia-se, a 31 de Março, com um programa dedicado à música portuguesa do século XX (Fernando Lapa, Filipe Pires, Joly Braga Santos e Fernando Lopes-Graça), num concerto dirigido pelo maestro António Saiote e sendo solista Pedro Carneiro (marimba). Um recital de "lied" por Christoph Prégardien (tenor) e Siegfried Mauser (piano) tem como intenção "reunir perspectivas sobre relações insuspeitadas entre a tradição e a inovação", através da interpretação de obras de Schubert, Schumann, Rihm e Killmayer (6 de Abril).O programa de música integra igualmente um concerto em torno de George Crumb (23 de Julho), pelos pianistas Pedro Burmester e Fausto Neves e pelo Drumming Duo, formado pelos percussionistas Miguel Bernat e Manuel Campos. Drumming é também o nome do grupo de percussão da ESMAE, que efectua um espectáculo com a participação do saxofonista e clarinetista Henri Bok (15 de Junho). Finalmente, em Outubro, o auditório de Serralves propõe uma Semana Emmanuel Nunes, que, entre múltiplas iniciativas (como conferências e um seminário), conta com a participação de um dos mais prestigiados grupos de música contemporânea: o Ensemble Modern.O cinema e vídeo são outras áreas em destaque na agenda do novo auditório de Serralves, que reserva os domingos para as sessões audiovisuais Os programas propostos pretendem sobretudo complementar as exposições patentes no MACS. Os primeiros ciclos decorrem paralelamente à mostra "Andy Warhol: A Factory" (de 13 de Fevereiro a 30 de Abril) e incidem sobre os filmes de Andy Warhol e sobre o cinema "underground" americano, neste caso através de obras de Jack Smith, John Waters, Mike e George Kuchar, Stan Brakhage, Jonas Mekas, Shirley Clark e Kenneth Anger.Durante este ano estão previstos mais três grandes ciclos. O primeiro, de 12 de Maio a 9 de Junho, é dedicado ao cinema alemão e inclui obras de Fassbinder, Wenders e Fechner, entre outros. Cinema Documental sobre Africa é um programa formado por diversas obras de índole antropológica, etnográfica e sociológica acerca do continente negro - Jean Rouch é um dos nomes em destaque (3 de Setembro a 1 de Outubro). Finalmente, o ano encerra com cinema brasileiro escolhido por Artur Barrio, Lygia Pape e António Manuel, artistas que mostram o seu trabalho no MACS a partir de Outubro.No campo do vídeo prevêem-se ciclos dedicados a Bruce Nauman, Dennis Oppenheim, Valie Export, Gerry Schum, Richard Serra, Vito Acconci e Antoni Muntadas. Estes programas - baseados na colecção do MACS, cuja primeira apresentação aconeteceu no âmbito da mostra "Circa 1968" - serão complementados por comentários e pela presença dos autores, além da realização de folhas informativas dos temas representados.Uma série de "eventos performativos" terão lugar no âmbito dos diversos espaços do MACS, entre os quais o auditório. O projecto "Emergências", primeira acção deste capítulo, está também integrado no programa parelelo à exposição "Andy Warhol: A Factory". Esta iniciativa da Academia Contemporânea do Espectáculo - coordenada por Joana Providência, José Carlos Gomes e Paulo Oliveira - propõe "a articulação de um momento pedagógico específico dos alunos (o contacto com temáticas e linguagens contemporâneas) com a possibilidade de exploração, em concreto de um universo plástico tão pertinente como é o da Pop Art" (13, 14 e 15 de Abril)."Performances" e "happenings" criados a partir da colaboração entre o artista Artur Barrio e o actor e encenador Paulo Castro (Outubro e Novembro) e a reconstituição do "Teatro de Sombras" de Lourdes Castro, são outras actividades já calendarizadas para este ano. A Fundação de Serralves pretende ainda realizar colaborações e parcerias com outras instituições culturais (como a Culturgest e o Goethe Institut), estando mesmo a "ser estudadas apresentações de peças surgidas da conexão das artes performativas com áreas como a música, o vídeo e as artes plásticas".Na área das conferências, sublinhem-se a do fotógrafo Nat Finkelstein, que fará leituras do seu livro "Andy Warhol: The Factory Years" (12 de Fevereiro), e o ciclo de palestras "Música do Século XX - Balanços Parciais", que inclui a presença de Carlos Pontes Leça, Paulo Ferreira de Castro, Rui Vieira Nery, Augusto M. Seabra e Alvaro Salazar.O colóquio "A Viagem", coordenado pelo médico e "antropólogo-filósofo" Paulo Cunha e Silva, é outra iniciativa de relevo da programação do auditório de Serralves. Os diferentes intervenientes - praticantes e teóricos da viagem - foram convidados a responder à pergunta "'O que é viajar, hoje'". Como nota a fundação portuense, este encontro surge num momento oportuno: "Encerramento das comemorações oficiais dos Descobrimentos Portugueses, Descoberta do Brasil, encontro de culturas, mestiçagem, multiculturalismo, a própria ideia mítica do ano 2000 e todas as expectativas que se geram a propósito do Futuro ter começado".

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