Torne-se perito

A estrela portuguesa

No céu, brilha agora uma estrela descoberta por um português. É uma nova - o resultado da transferência de matéria de uma estrela para outra, um processo que origina enormes explosões cósmicas, visíveis a grandes distâncias. Nos últimos dez anos, apenas três outras novas atingiram um brilho tão grande. Se quiser vê-la, basta seguir as instruções.

Como de costume, o astrónomo amador Alfredo Pereira, pôs-se a olhar para o céu, no princípio da noite de quarta-feira, na sua casa no Cabo da Roca. Poucos minutos depois, nem queria acreditar no que via através dos seus potentes binóculos: um objecto muito brilhante na constelação da Águia, que não costumava ver ali. Alfredo Pereira, de 35 anos, acabava de descobrir na Via Láctea, a nossa galáxia, uma nova - uma estrela que apresenta durante alguns dias um súbito aumento de brilho (mil a dez mil vezes maior que o normal), que decresce em seguida, regressando ao seu brilho anterior ou mesmo inferior. Não se trata de uma estrela nova: o nome advém do facto de se tratar frequentemente de uma estrela não visível que, de repente, se torna visível. Acontecem entre 10 a 15 fenómenos destes, por ano, na Via Láctea. Pensa-se que as novas são originadas por estrelas binárias (compostas geralmente por uma estrela anã branca e uma gigante vermelha) onde a maior (a anã branca) absorve massa da outra, dando origem a explosões. "Esta descoberta é notável", comenta Pedro Ré, presidente da Associação Portuguesa de Astrónomos Amadores. "É a primeira vez que se descobre uma nova em Portugal. Do ponto de vista da astronomia de amadores, é importantíssimo." Filipe Duarte Santos, coordenador do Grupo de Investigação em Astronomia e Astrofísica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, frisa também o papel dos astrónomos amadores: "Os astrónomos amadores dão uma contribuição importante, sobretudo na observação de novas, supernovas, asteróides ou cometas, que estão relativamente perto da Terra". Mas deixa um lamento: "Em Portugal, temos relativamente à população muito poucos astrónomos profissionais, com um emprego". Se na Europa essa relação é de três astrónomos por cada milhão de habitantes, em Portugal não chega a um. A descoberta da nova está oficializada numa circular, datada de quarta-feira, da União Astronómica Internacional (IAU), em Cambridge (Massachusetts, Estados Unidos) - a instituição para onde qualquer descoberta astronómica tem de ser comunicada. E é atribuída a Alfredo Pereira. Nome definitivo para a nova é que ainda não há, excepto a designação burocrática AQLnova1999-2. Significa isto que se trata de uma nova localizada na direcção da constelação da Águia, e que este ano já é segunda aí encontrada. "Mas esta agora é mais importante: é visível à vista desarmada numa zona que não tenha muita luz", sublinha Pedro Ré. Se quiser perscrutar o céu à procura dela, encontra-a a sudoeste logo depois do pôr do Sol, uns dois palmos acima do horizonte. Na Águia, a delta - d - é a estrela mais brilhante próxima da nova. De resto, uma das particularidades da descoberta de Alfredo Pereira é que esta nova é visível a olho nu, pois atinge agora uma magnitude de cinco. O limite para o olho humano, longe da poluição luminosa das cidades, é uma magnitude seis. Quanto mais pequeno é o número da magnitude, mais brilhante é o objecto (a título de comparação, o nosso Sol possui uma magnitude de menos 24). A descoberta de Alfredo Pereira é tanto mais rara quanto se sabe que, nos últimos dez anos, apenas três outras novas atingiram a magnitude seis ou mais brilhante.Voltando a Alfredo Pereira. Assim que detectou o objecto brilhante, nos seus binóculos com duas objectivas de 10 centímetros de diâmetro e uma capacidade de ampliação de 14 vezes, esperou uns segundos. E viu que o objecto não se moveu. Esperou mais um pouco e, de novo, nem um movimento. "O meu coração bateu violentamente", conta ele no relato que enviou para International Mailing List on Variable Stars, disponível na Internet (http://www.kusastro.kyoto-u.ac.jp/vsnet/index.html). Depois, pousou os binóculos na cadeira onde estava sentado, dentro de casa, à caça de novas, e foi chamar a mulher, Catarina Vitorino. Olharam ambos para o objecto, mas tudo continuava na mesma. "Eu tinha visto aquele campo do céu centenas de vezes e sabia muito bem que não deveria haver ali nada." O passo seguinte foi ver se o objecto constava em cartas do céu e num álbum caseiro de fotografias tiradas em 1992. "Claro que nada constava lá." Havia que relatar a descoberta, o mais depressa possível, para o Central Bureau for Astronomical Telegrams da IAU. Mas o correio electrónico teimava em não funcionar. "Pânico. Voltámos a ligar o computador e tentámos mais umas vezes." O melhor seria telefonar para lá, pensaram - e foi o que fizeram. Nestas coisas, basta uns minutos para que, alguém no mundo, também encontre o mesmo objecto, notifique a IAU e fique com os louros da descoberta."Passámos uma noite ansiosa à espera da confirmação", remata. Na verdade, vários observadores confirmaram a existência da nova à IAU e, ainda nesse mesmo dia, a descoberta tornou-se oficial. Dennis di Cicco, editor da revista norte-americana "Sky & Telescope", está entre os que ajudaram a confirmar o novo objecto. Menos de três horas e meia depois da descoberta, fez a imagem publicada nesta página. O curioso na forma como Alfredo Vitorino olha para os céus é que faz tudo visualmente, sem recurso a processos computorizados. Portanto, tem de enfiar o céu na cabeça. "Memorizar as constelações é muito fácil. Mais difícil é manter a assiduidade. No Inverno e no início da Primavera tenho de levantar-me às quatro da madrugada. Na minha actual área de caça tenho mais de três mil estrelas memorizadas", diz ele. "Passo cerca de uma hora e meia todas as noites à caça de novas", diz o astrónomo, que começou esta procura em 1981, embora só o faça a sério depois de 1991. Já lá vão, desde este ano, quase 500 horas de olhos postos nos céus à caça de novas.Esta não é, porém, a primeira vez que um astrónomo amador português descobre um corpo celeste interessante. José Alberto da Silva Campos é o único português que deu o nome a um cometa - o cometa C-1978 j Haneda-Campos. A 1 de Setembro de 1978 viu-o com um telescópio montado no quintal da sua casa, em Durban, na África do Sul. Numa das observações de José Campos em busca de cometas no hemisfério Sul, reparou, por volta das 11 horas da noite, num objecto nebuloso na constelação do Microscópio. Como conhecia bem aquela região do céu, aquele objecto não devia estar ali, naquela posição. Naquela noite, o japonês Toshio Haneda observou o cometa seis horas antes de Campos.

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