Golpe militar no Paquistão

O Paquistão está em processo de golpe militar. O Exército assumiu o controlo das principais instituições do país e anunciou a "demissão" do Governo de Nawaz Sharif. Há quem tema que os fundamentalistas islâmicos tomem o poder. Há quem fale numa guerra civil. A Índia já está em estado de alerta.

Depois de cercar a residência do primeiro-ministro, fechar os aeroportos e tomar o controlo da rádio e televisão estatal, o Exército paquistanês declarou que o Governo estava "demitido". O anúncio foi transmitido pela televisão, que não adiantou quem estava por trás do golpe contra o primeiro-ministro Nawaz Sharif.Até à hora do fecho desta edição, o paradeiro de Sharif era desconhecido. Mas membros do Exército avisaram-no para não sair de casa. Os principais aeroportos e estradas do país, edifícios governamentais e residências de membros do Governo, ficaram cercadas pelos soldados. Ouviram-se tiros num dos subúrbios da capital, mas não houve qualquer confirmação de confrontos. Houve quem visse um grande número de soldados cercar a residência do ministro da Informação, Mushahid Hussain, e do governador da província de Punjab, irmão de Sharif.O golpe militar seguiu-se ao anúncio feito pelo primeiro-ministro durante a manhã de que o chefe das Forças Armadas paquistanesas, Pervez Musharraf, tinha sido substituído pelo alto responsável dos serviços secretos, general Ziauddin. Mas durante algumas horas não foi possível saber se Musharraf, que terminara uma visita ao Sri Lanka quando se soube da sua demissão, estava ou não por trás do golpe.Segundo a BBC, o general estava dentro de um avião quando as tropas começaram a agir. O que se pode aproximar de uma confirmação surgiu depois, com o anúncio de que o ex-chefe-do-estado-maior faria mais tarde uma comunicação ao país.Não se pode dizer que o golpe tenha sido totalmente inesperado. Nas últimas semanas, Sharif tem tido razões para se preocupar. O apoio massisso que recebeu dos paquistaneses quando foi eleito não passa agora de uma miragem. A uma onda de manifestações, juntou-se uma aliança da oposição, composta por 19 partidos, com o objectivo de obrigar o primeiro-ministro a demitir-se.De nada ajudou o facto de, há dois meses, Sharif ter mandado as suas tropas retirarem-se do lado indiano da linha de controlo na região de Caxemira (uma incursão que desencadeou uma dura resposta de Nova Deli). Essa decisão do Governo, tomada sem consultar as Forças Armadas, não agradou aos militares e, desde então, as relações entre o Exército e o Executivo têm vindo a degradar-se. A demissão de Musharraf foi a gota que fez transbordar o copo (ver texto nesta página).Preocupados com a situação, os Estados Unidos emitiram, no mês passado, um comunicado onde expressavam uma profunda oposição a uma alteração do Governo "por meios extraconstitucionais". Sharif respirou então de alívio. Mas por pouco tempo. Ontem, o porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, James Rubin, avisou: "Se houve mesmo um golpe, pedimos a restauração da democracia o mais cedo possível e, obviamente, não estaremos em posição de continuar os nossos negócios com as autoridades paquistanesas, tal como indica a nossa lei".Os analistas lembram que a situação se agudizou quando o Paquistão - atingido por sanções norte-americanas depois dos testes nucleares do ano passado - começou a ser varrido por uma onda de confrontos sangrentos, entre os muçulmanos da maioria sunita e os da minoria xiita, e por rivalidades regionais entre os punjabis e os sindis. Marshall Bouton, da Asia Society, em Nova Iorque, afirmou à Reuters que a intervenção militar cria o risco de formar uma separação no Exército, onde uma grande facção pode "ficar inclinada a apoiar um regime fundamentalista islâmico"."A autoridade civil neste momento é fraca", adianta Deepa Ollapaly, do Instituto Norte-Americano para a Paz, em Washington. "Nawaz está a ser penalizado pela guerra em Kargil [Caxemira]. A economia está totalmente de rastos. Eles nem podem pagar os salários dos funcionários públicos".Um golpe militar no Paquistão, onde o Exército intervém frequentemente na vida quotidiana, é quase "o que a casa gasta", comentou à Reuters Gerald Segal, investigador do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, em Londres. "Este nunca foi um país estável e o papel das Forças Armadas sempre foi crucial na manutenção de um sentimento de ordem e estabilidade".Mas para a líder da oposição no exílio, a ex-primeira-ministra Benazir Bhutto, esta situação "assemelha-se bastante a uma guerra civil". Bhutto adiantou à BBC que "o golpe não tem nada a ver com Kargil, mas com a forma como Sharif governa o país. Ele quis destruir a democracia, tem demitido toda a gente, o chefe da Justiça, o Presidente, tem atacado a imprensa, os investidores estrangeiros, a oposição. Ao atacar o Exército, entendeu-se que ele estava a politizar a última instituição não-politizada do país. O Exército reagiu". Benazir Bhutto disse ainda que não está do lado dos militares porque "não apoia golpes", mas culpa Sharif de "acabar com o estado de direito".Entretanto, a Índia - o grande inimigo paquistanês dos últimos 50 anos - já colocou as suas tropas em estado de alerta. Mostrando a sua "grave inquietação", Nova Deli disse ter "os três braços das Forças Armadas em alerta total e a observar a situação de perto", afirmou um responsável da Defesa, citado pela Press Trust of India.

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