Arrepio de mãos dadas em Lisboa
Na homilia da missa que celebrou com a comunidade católica timorense, anteontem à noite, em Lisboa, o patriarca de Lisboa leu uma mensagem em seu nome e no da Conferência Episcopal Portuguesa. O PÚBLICO reproduz aqui o texto na íntegra.
Nunca se tinha visto nada assim em Portugal, desde 1974. Dezenas de milhares de pessoas deram ontem as mãos por Timor, em Lisboa. "Yuppies", "hippies", engravatados ou de "T-shirts" deslavadas, residentes na Zona J ou na Quinta da Marinha, políticos, estudantes, estrelas da televisão, idosos, jovens, bebés, católicos, ateus, do PSD, do PCP, do PP, ou do PS - viu-se de tudo pelas ruas por onde passou o cordão humano. Num arrepio de emoção gigantesco, pediu-se a Bill Clinton que "faça a guerra e não amor".Pelas 17h, já haviam milhares de pessoas junto à Embaixada dos Estados Unidos, uma das extremidades do cordão. As varandas dos prédios em volta, cobriram-se de lençóis brancos. Das torres dos edifícios da Greenpark, situados mesmo em frente, não pararam de chover papéis. Muitos carros que circulavam no Eixo Norte-Sul e nos viadutos das imediações encostaram à berma, para se juntarem à manifestação. O resultados foi uma onda de solidariedade, inédita desde os tempos da Revolução dos Cravos. Só junto à Embaixada dos EUA estiveram cerca de 20 mil pessoas, segundo a PSP.A melhor prova de que se tratou de uma acção espontânea foram as palavras de ordem, as centenas de palavras de ordem, em inglês ou em português, incansavelmente gritadas ou inscritas nos cartazes, colados nas costas ou no peito dos manifestantes, nas janelas dos edifícios, no pavimento ou nas paredes das ruas limítrofes. Por todo o lado. Os mais visados foram Bill Clinton e a ONU: "Bill, make war not love", "Monica come back, Bill Clinton will take a decision", "Basta de dor, ONU em Timor", "Timor unido, jamais será vencido", "ONU em Timor, basta de horror", são alguns exemplos.Espalhadas pelo cordão, misturadas com a gente anónima, encontravam-se várias figuras públicas. Garcia Pereira lá estava, na fila da frente que abancou junto à Embaixada dos Estados Unidos, a gritar a plenos pulmões "Abaixo hipocrisia, abaixo hipocrisia". "Estou muito emocionado e muito orgulhoso do povo português", confessou. Leonor Beleza, acompanhada de Marcelo Rebelo de Sousa, disse "não ver nada assim desde o 25 de Abril". D. Januário Torgal e Carvalho da Silva, de mãos dadas, um ao lado do outro, utilizaram a mesma expressão. E Francisco Louçã uniu-se a Marcelo, para irem dizer ao embaixador americano que "é urgente uma intervenção dos EUA".Mas a força da iniciativa deveu-se aos "anónimos". Como Isabel Almeida, 54 anos, funcionária do Museu Militar, moradora na Zona J, que ostentava um tosco cartão onde se lia: "A família Carvalho está com Timor". Ou António Sousa, reformado, 61 anos, ex-pára-quedista, que dizia "que, se o deixassem, ia para lá defender o povo". Ou José Santos, que se manteve grande parte do tempo ao telemóvel com a família, a passar férias no Sul do país: "Estou a ligar o cordão ao Algarve", explicou.Os manifestantes mais novos foram, por certo, o Pedro e o Vasco, gémeos de apenas dois anos de idade. Os pais, um do PS, o outro do PSD, ambos escriturários, fizeram questão de os trazer: "As dezenas de crianças que estão na sede da UNAMET, em Díli, estão muito pior. Isto é apenas uma forma de demonstrar solidariedade com elas", salientou a mãe de um deles, emocionada.Na multidão junto da Embaixada dos EUA, na Avenida das Forças Armadas, estiveram também muitos estudantes timorenses. Honório, Natércio e Atanásio deixaram Los Palos há dois anos. O pai de Honório já morreu - "no mato, era guerrilheiro". De resto, todos os seus familiares permaneceram em Timor. Em que condições é que não sabem, porque desde o referendo que o telefone deixou de tocar. "Ou fugiram para a montanha ou morreram", disse Atanásio.Às 17h30 as palavras de ordem pararam por momentos, para que se formasse o cordão. Os escuteiros não tinham mãos a medir e procuraram estender os milhares de pessoas que se encontravam nas imediações do edifício da embaixada pelas ruas que o cordão deveria percorrer. "Andem, andem," gritava uma guia. Por momentos, pensou-se que não fosse possível unir as embaixadas da França, Inglaterra, EUA, Rússia e China, e a sede da ONU. Mas o que é certo é que nalgumas zonas não existia um, mas dois cordões humanos paralelos, tal era o aglomerado de gente.Depois das 18h15, muitos dos que participaram no cordão noutras áreas de Lisboa seguiram para a Embaixada dos EUA. Por volta das 19h, uma imensa multidão concentrou-se ali, para pedir aos americanos que ajam depressa, acenando com lenços brancos, batendo palmas, gritando palavras de ordem, cantando. Um dos momentos mais emocionantes da tarde ocorreu quando, num uníssono afinado, se cantou a música dos Trovante: "Ai Timor, calam-se as vozes dos teus avós. Ai Timor, se outros calam, cantemos nós."