Bienvenidos a Nueva Iorque

Na Alphabet City, o bairro de Nova Iorque que já foi o fim do mundo e hoje tem apartamentos minúsculos a 600 contos por mês, só uma coisa não mudou com o "mayor" Giuliani: o espanhol é a língua, o merengue é a música e Porto Rico é a bandeira.Os "graffiti" de El Chico cobrem dezenas de paredes e as pessoas passam o dia na rua: os velhos jogam dominó e fazem croché e os adolescentes passeiam-se em grupo.As raparigas, rainhas sexy, muito maquilhadas e com unhas postiças, parecem sempre prontas para uma festa. E os rapazes, de jeans largos, camisas de alças e colares de ouro, prontos a convidá-las. Todos, e inevitavelmente os mais jovens, saltam do inglês para o espanhol e vice-versa a grande velocidade, muitas vezes na mesma frase.Ouve-se "spanglish" em formas simples como "Viene aqui, right now!", mas também em formas mais complicadas, como o verbo "watchar": "yo te watcho".A nova vaga da Wall Street está a avançar para as Avenidas A e B e já há quase tantos "yuppies" em início de carreira quanto "punks" à procura de uma. Mas na Alphabet City e na East Village, como no El Barrio, no norte de Manhattan, no East Harlem ou nas várias áreas de Nova Iorque a que os não-hispânicos chamam as "Caracas", a cidade que não representa a América torna-se numa coisa concreta: "Nueva Iorque".Os "fresh-mex", emigrantes recém-chegados do México, instalam-se no norte, acima da Rua 100, em Queens ou no Bronx. Os "chuppies", os "Yuppies Chicanos", mais abaixo, nas zonas mais caras e mais na moda, como a Alphabet City, onde agora "bistrôs" franceses, lojas de decoração e designers de referência estão a abrir em cascata.Mas nem tudo mudou com a era da "qualidade de vida" do "mayor" Giuliani e um não-loiro que entre em lojas como "Paisano - Mercearia Mexicana", na Avenida A, "Los Dos Hermanos - Carniceria Hispana", mais abaixo, ou na "Havana Pies - Empanados", na Segunda Avenida, é recebido com um "Buenos dias".Os "hispânicos" ou "latinos" já são 30 por cento da população de Nova Iorque e segundo os cálculos do Departamento Nacional de Censos vão ser 42 por cento em 2030. Têm a maior taxa de natalidade da cidade e são a população mais jovem. Estão a votar cada vez mais e a eleger cada vez mais "latinos" para cargos políticos com influência.E, sinal de maturidade, já não votam em bloco num só partido (tradicionalmente o democrata), mas nos candidatos (latinos ou não). Há dois anos, quando foi reeleito, o Presidente da Câmara, o todo poderoso Rudolph Giuliani, republicano, recebeu mais de 40 por cento do voto hispânico. Porque Giuliani baixou a criminalidade, limpou as ruas e proibiu os ciclistas de andarem em contramão, mas também porque processou a Administração Clinton por causa da lei de imigração aprovada em 1996.Números do National Council of La Raza, a maior organização hispânica de direitos cívicos do país, dizem que há nos Estados Unidos 30 milhões de hispânicos, o que corresponde a 11,2 por cento da população e a 40 por cento da entrada anual de novos trabalhadores no mercado. Em 2030, calcula-se que serão um quinto da população americana.E se a nível nacional ainda só representam 5 por cento do eleitorado, são o grupo de eleitores em mais rápido crescimento. Em estados como a Califórnia, a Flórida, o Texas e Nova Iorque, que representam 144 dos 270 votos eleitorais necessários para ganhar a Casa Branca, os políticos que quiserem ter êxito não podem ignorar o espanhol.Os hispânicos são os pobres mais pobres da América, mas estão a divertir-se com a campanha. Dezoito anos depois da primeira proposta de uma emenda constitucional para tornar o inglês a língua oficial dos Estados Unidos - proibindo o ensino bilingue nas escolas públicas, o uso de boletins de voto em espanhol ou os funcionários do estado de falarem línguas estrangeiras no local de trabalho - vários dos candidatos que querem ser o primeiro Presidente do século XXI americano falam espanhol.Os dois principais, o Governador do Texas, George W. Bush, republicano, e o vice-Presidente Al Gore, democrata, são fluentes e falam espanhol quase todos os dias ou pelo menos sempre que fazem um discurso público.O medo do chamado processo de "browning" da América tem a ver com números como os do Serviço de Imigração e Naturalização: nos anos 50, 53 por cento dos que imigravam legalmente para os EUA eram da Europa e 22 por cento da América Latina; e nos anos 80, apenas 10 por cento eram europeus e 47 por cento latinos.Entre 1970 e 1995, a população hispânica aumentou de nove para 27 milhões e o Governo prevê 88 milhões para 2050 - o que será 20 por cento da população. Muito antes disso, disseram vários líderes da comunidade latina, Nova Iorque terá o primeiro Presidente da Câmara hispânico.Em Nova Iorque, a campanha de organizações como a "English Only" e a "U.S. English", criadas nos anos 80, não tem sucesso. É uma perda de tempo. Mas 23 estados já aprovaram legislação a impôr o inglês como língua oficial e mais 10 têm legislação pendente.Na comunidade, é famoso o sonho do artista e poeta José Antonio Burciaga, um "chicano", sobre o absurdo de uma América com "english only". Puerto Rico seria "Rich Port", o Rio Piedras seria "Rock River", Los Alamos "The Poplars" e El Paso "The Pass". Mas como há 100 anos com os irlandeses e os polacos, ou como há cinco anos com a Alphabet City, as coisas mudam.

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