Há lodo na "Boa Esperança"

Uma réplica de uma caravela dos Descobrimentos que vale 180 mil contos corre o risco de se estragar, porque na doca em que está fundeada há lodo a mais e água a menos. A impraticabilidade da doca tem, de resto, afastado quer as embarcações nacionais quer as estrangeiras.

A caravela "Boa Esperança", uma réplica de uma caravela dos Descobrimentos atracada na Doca do Terreiro do Trigo, está em risco de sofrer estragos. Quando baixa a maré a embarcação fica assente no lodo - uma situação que se arrasta há cerca de um ano, desde que a doca junto à estação da CP de Santa Apolónia está assoreada. A Administração do Porto de Lisboa (APL) considera que o navio deveria mudar de local.O responsável pela manutenção do barco explica que "as válvulas que permitem a respiração do motor vão acumulando lama", porque a caravela está assente no lodo. O despejo dos sanitários da embarcação funciona com deficiências, porque no lugar da água há, uma vez mais, lama.Além dos estragos na maquinaria, "há o risco de apodrecimento do casco", acrescenta o responsável pela manutenção do navio. A situação só terá um ponto final quando a doca do Terreiro do Trigo for dragada, tarefa que compete à administração portuária. De acordo com Canelas Cardoso, secretário-geral da Associação Portuguesa de Treino de Vela (Aporvela), entidade proprietária da embarcação, "têm sido feitas diligências junto da APL para a resolução deste problema, mas ainda não foi tomada nenhuma decisão". "Vamos ver se a doca é dragada no início do próximo ano, para receber os veleiros que vêm do Brasil, nas comemorações da viagem histórica de Pedro Álvares Cabral", acrescentou.Segundo o administrador da APL Eduardo Martins, "a doca do Jardim do Tabaco tem um assoreamento muito rápido e por mais que se façam dragagens, volta sempre ao mesmo". Por isso, a administração portuária "terá de fazer uma intervenção de fundo naquela doca, o que não poderá acontecer antes de terminarem as obras do Metro que decorrem naquela zona". A doca foi dragada pela última vez antes da Expo-98. "Por enquanto não podemos fazer uma intervenção para aguentar com embarcações de grande calado, como é o caso da caravela. Aquele não é o local indicado para a 'Boa Esperança'", acrescenta. Eduardo Martins adianta que, na próxima semana, a APL e a Aporvela vão efectuar uma reunião onde será discutido o assunto.Contactada pelo PÚBLICO, a Comissão dos Descobrimentos, que é a entidade com mais peso no patrocínio da caravela, disse que desconhecia a situação. Lançada ao mar em 28 de Abril de 1990 nos estaleiros de Vila do Conde, a "Boa Esperança" custou cerca de 180 mil contos e é visitada anualmente por cerca de 50 mil jovens. Trata-se de uma réplica tão aproximada quanto possível das caravelas de há 500 anos, construída por especialistas de construção naval em madeira.No ano passado, a "Boa Esperança" esteve atracada na Expo-98, onde foi visitada por milhares de pessoas. Além da participação na exposição mundial de Lisboa, a caravela tem visitado vários portos nacionais no âmbito do projecto "Visitas Escolares", uma iniciativa da Aporvela e da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. No estrangeiro participou várias vezes no Encontro Internacional de Embarcações Tradicionais de Vela, que se realiza de dois em dois anos na província da Bretanha, em França, e em outros festivais náuticos. Acompanhada por uma frota de veleiros de cruzeiro, a embarcação vai efectuar uma viagem ao Brasil no próximo ano, no âmbito das comemorações do 5º Centenário da Viagem de Pedro Álvares Cabral, que incluem uma regata oceânica. Para enfrentar esta viagem de cinco meses a caravela vai entrar em manutenção no mês que vem.A impraticabilidade da doca do Terreiro do Trigo, metade da qual está a ser explorada pela Aporvela, tem afastado as embarcações nacionais e estrangeiras, já que as entradas e saídas apenas são possíveis em marés de preia-mar."Ainda ontem chegaram quatro barcos e foram para trás, quando encalharam no lodo", conta o comandante Canelas Cardoso.A dragagem do local há muito que é pedida à APL, mas ainda não há nenhuma decisão tomada, arrastando-se a situação há cerca de um ano. Apesar deste cenário, encontram-se atracadas no local meia dúzia de embarcações, algumas delas praticamente abandonadas. "Na passada semana, foi retirado da doca um barco em mau estado, onde já havia vadios a dormir", disse o secretário-geral da Aporvela. "O dono veio retirar o barco para não ir ao fundo".

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