O caso Tate-LaBianca

Manson, Man-Son, homem-filho, filho do homem. Ele diz que é uma projecção. Que o mal está na sua sombra. Que ninguém lhe toca sem se queimar. Que é um mensageiro do fim. Há trinta anos, um grupo de jovens seguidores de Manson - A Família - horrorizaram o mundo com uma série de crimes. Entre as vítimas, estava a actriz Sharon Tate, grávida de oito meses. Como um pesadelo, ao som de "Helter skelter", dos Beatles, a geração de 60 agonizava.

Paz e sossego era o que a jovem actriz de cinema desejava. Os desfiladeiros de Beverly Hills eram suficientemente longe de Hollywood para lhe dar privacidade. Sharon Tate adorava aquele lugar em Cielo Drive. Significava idílio - romance com o homem dos seus sonhos e o pai do seu filho, o realizador Roman Polanski.Era um local fresco, especialmente naquele sábado de calor sufocante, na noite de 9 de Agosto de 1969. A actriz tinha a companhia dos seus amigos lindos e sofisticados: Abigail Folger, a herdeira do café e o seu namorado Voyetek Frykowski, e um conhecido cabeleireiro, Jay Sebring.Sharon estava grávida de oito meses e tinha saudades do marido, que estava na Europa a trabalhar no seu próximo filme. Nessa noite, os Kotts, os vizinhos que viviam mais perto, pensaram que tinham ouvido alguns tiros vindos da propriedade de Sharon entre a 24h30 e a 1h da manhã, mas foram-se deitar. Tim Ireland, que estava a supervisionar um acampamento a menos de dois quilómetros, ouviu um grito: "Oh, meu Deus, não, por favor, não! Oh meu Deus". Foi de carro até lá, mas não viu nada de especial. Ali perto, os cães de Emmett Steele começaram a ladrar entre as 2h e as 3h da manhã. Winifred Chapman, a empregada de Sharon Tate, chegou ao portão principal da casa um pouco depois das 8h da manhã. Reparou no que lhe pareceu um fio de telefone caído ao pé do portão. Puxou o mecanismo para abrir o portão e percebeu que estava aberto. Ao dirigir-se à casa viu estacionado na estrada um Rambler branco que não lhe era familiar.Quando chegou a casa, tirou a chave do esconderijo habitual e abriu a porta das traseiras. Uma vez na cozinha, pegou no telefone e confirmou que estava desligado. Enquanto entrava na sala de jantar, reparou que a porta da frente estava aberta e que havia salpicos vermelhos por todo o lado. Ao olhar lá para fora, viu poças de sangue e pareceu-lhe ver um corpo no relvado.Fugiu para a estrada e ao passar junto do Rambler apercebeu-se que estava outro corpo dentro do carro. Correu até à casa dos Kotts mas eles não estavam, por isso correu para a casa mais próxima gritando histericamente.O agente do departamento de polícia de Los Angeles, Jerry DeRosa, foi o primeiro a chegar. Aproximou-se do carro e encontrou um homem deitado sobre o banco, encharcado em sangue. Nesta altura, o agente William Whisenhunt juntou-se a DeRosa. Os dois agentes inspeccionaram os outros automóveis e a garagem, enquanto um terceiro agente, Robert Burbridge, se juntou a eles.Naquele relvado bem tratado com uma magnífica vista sobre Los Angeles estavam estendidos dois corpos. Um deles era de um homem branco que aparentava trinta anos de idade. Alguém lhe tinha batido diversas vezes na cabeça e na cara, e tinha feridas perfurantes em todo o corpo.O outro cadáver era de uma mulher, de longos cabelos castanhos e em camisa de noite, apunhalada várias vezes. Os três agentes aproximaram-se da casa com cautela, viram que uma janela estava aberta e entraram. Lá dentro, dirigiram-se à porta da frente, onde tinha sido escrito com sangue a palavra "Porco" (PIG). Aproximaram-se do sofá. Uma mulher loira, em estado de gravidez avançada, jazia no chão, rodeada de sangue, com uma corda à volta do pescoço que passava por uma viga do tecto. A outra ponta da corda estava à volta do pescoço de um homem estendido ali perto, também imerso em sangue.Enquanto inspeccionavam o resto da casa ouviram a voz de um homem e o latir de um cão. Era William Garretson, o caseiro. Os agentes colocaram-lhe as algemas e prenderam-no.Nesse sábado à noite, Leno e Rosemary LaBianca e Susan Struthers, a sua filha de 21 anos, regressaram de férias com uma lancha atrelada ao carro. Deixaram a filha no seu apartamento e dirigiram-se à sua casa, 3301 Waterly Drive, em Los Feliz, LA. Pararam para comprar o jornal entre a 1 e as 2h da manhã.Só no dia seguinte é que foram encontrados pelo outro filho de Rosemary, Frank Struther. Leno estava em pijama, com uma almofada na cabeça e um fio à volta do pescoço. Tinha algo espetado no estômago.Era uma faca. A palavra "war" (guerra) tinha sido gravada na sua carne.No quarto de banho, encontraram Rosemary estendida no chão, com a camisa de noite puxada para cima. Também tinha uma almofada na cabeça e um fio à volta do pescoço.Em três locais da casa apareceram frases escritas com aquilo que parecia ser sangue das vítimas. Numa parede da sala estava escrito "death to pigs" (morte aos porcos), noutra "rise" (erguei-vos) e na porta do frigorífico "Healther Skelter" (sic).Todas as vítimas do massacre que ocorreu em casa de Sharon Tate foram identificadas. O adolescente que se encontrava no carro chamava-se Steve Parent e tinha ido visitar Garretson, o guarda da casa. Os dois mortos encontrados no exterior eram a herdeira do café Abigail Folger e o seu amante, Voytek Frykowski. Na sala de jantar, atados um ao outro com cordas, estavam Sharon Tate e o cabeleireiro Jay Sebring.Uma arma de calibre 22 tinha atingido mortalmente Steve Parent, Jay Sebring e Voytek Frykowki. Das cinco vítimas, apenas Steve Parent não tinha sido esfaqueado repetidamente. Sebring fora atingido na cara e Frykowski tinha sido repetidamente agredido na cabeça com um objecto pesado e pontiagudo.No seu minucioso livro sobre este caso, "Helter Skelter", o promotor público encarregado do processo, Vincent Bugliosi, critica os detectives da brigada de homicídios da polícia de Los Angeles por não terem logo relacionado os casos Tate e LaBianca e com o do professor de música Gary Hinman, uns dias antes. Na parede da sala de jantar da casa de Hinman estava escrito, com o seu próprio sangue e em letras maiúsculas, as palavras "Political Piggy" (porco político), o que era muito similar ao que fora descoberto em casa quer de Tate como de LaBianca. Hinman também fora esfaqueado.Só três meses depois do crime os detectives que trabalhavam para o Gabinete do Xerife chegaram à conclusão de que os casos Tate e La Bianca estavam ligados. Tinham vários suspeitos, um dos quais era Charles Manson. A meio de Outubro a investigação levou-os ao Rancho Spahn, onde se tinha instalado um grupo hippie que se chamava a si próprio "A Família" de Manson.Ficava nas montanhas perto de Chatsworth. Bobby Beausoleil, o homem acusado do crime de Gary Hinman, tinha vivido no Rancho com a "Família". A sua namorada de 17 anos, Kitty Lutesinger, disse à polícia que Manson tinha mandado Bobby e Susan Atkins à casa de Hinman para lhe pedir o dinheiro. Como ele não lhes deu, mataram-no. Quando a polícia interrogou Susan Atkins, ela confessou.Enquanto estava à espera de ser julgada pelo assassínio de Gary Hinman, Susan Atkins foi internada no Sybil Brand Institut. Era companheira de Virginia Graham e durante uma conversa disse-lhe que estava ali por homicídio em primeiro grau. "Foste tu que o mataste?", perguntou-lhe Virginia. "Claro", respondeu, como se essa fosse a resposta mais natural do mundo. A polícia pensava que ela só tinha segurado Hinman enquanto Beausoleil o matava. Mas Susan disse que na realidade ela é que o tinha apunhalado, enquanto Beausoleil o mantinha preso. Também disse a Virginia que o seu amante Charlie era Jesus Cristo e que ele a ia levar para uma mina no Vale da Morte (Death Valley), onde viveriam numa espécie de paraíso. Depois de ouvir esta história Virginia ficou convencida de que Susan era mesmo louca.Mas no dia 6 de Novembro, Susan voltou a falar no assunto e mencionou o assassínio de Sharon Tate. "Sabes quem é que a matou, não sabes?", perguntou. Virginia respondeu que não sabia. "Estás a olhar para ela". Virginia ficou horrorizada e perguntou-lhe porque é que tinha feito semelhante coisa. "Porque queríamos cometer um crime que chocasse o mundo, que o mundo tivesse que enfrentar e não se esquecesse". Susan explicou que tinham escolhido a casa de Tate porque era isolada. Acrescentou que sabiam quem era o dono, mas não sabiam nem sequer se importavam em saber quem estava lá dentro naquela noite.Explicou que eram quatro, três mulheres e um homem, todos tinham recebido instruções de Charlie. Quando chegaram ao portão, o homem cortou as linhas telefónicas. Entraram em casa e viram um homem no sofá da sala e uma mulher a ler sentada numa cadeira. Alguns membros do grupo ficaram na sala de jantar, enquanto Susan se dirigiu ao quarto onde Sharon estava sentada na cama a conversar com Jay Sebring. Apressaram-se a colocar cordas com nós corredios à volta do pescoço de Sharon e de Jay. Assim, caso se mexessem estrangulavam-se a si próprios.Frykowski fugiu para a porta. "Estava cheio de sangue", disse ela e vangloriou-se de o ter esfaqueado três ou quatro vezes. "Ele estava a sangrar e fugiu para a entrada da casa, e ficou ali a gritar como um desalmado: 'Socorro! Socorro! Ajudem-me, por favor'. Depois demos cabo dele"."Sharon foi a última a morrer", afirmou Susan soltando uma gargalhada ao imitar Sharon a suplicar-lhe: 'Não me matem. Não me matem. Eu não quero morrer. Quero viver. Quero ter o meu filho. Quero ter o meu filho'".Susan disse-lhe: "Sua cabra, estou-me nas tintas para ti. Não me interessa se vais ter uma criança. É melhor estares preparada. Vais morrer e eu não quero saber." Susan contou ainda que ficou com sangue de Sharon na mão e que o provou. "Uau! Que trip! Provar a morte e dar a vida". Virginia perguntou-lhe se não se incomodava de ter morto uma mulher grávida. "Pensei que compreendias. Eu amava-a, e ao matá-la estava a matar uma parte de mim mesma". Ela queria retalhar o bebé de Sharon mas não houve tempo. Também queria arrancar os olhos às vítimas e atirá-los contra as paredes e cortar e mutilar todos os dedos, mas não houve oportunidade. Quando saiu de casa de Tate, Susan reparou que se tinha esquecido da faca. Os quatro dirigiram-se a um local onde pudessem lavar-se e mudar de roupa. Susan acabou de contar a história admitindo que também tinham morto os LaBianca na noite seguinte. "Fazia parte do plano", explicou ela. "E há mais."Susan deu a Virginia a lista de celebridades que estavam a pensar matar: Richard Burton e Elizabeth Taylor, Frank Sinatra, Steve McQueen e Tom Jones. Era importante seleccionar vítimas que fossem importantes para chocar o mundo.Ela planeava gravar as palavras "helter skelter" (confusão) na cara de Elizabeth Taylor com uma faca e tirar-lhe os olhos. Depois devia castrar Richard Burton e colocar o seu pénis juntamente com os olhos de Taylor num frasco e enviá-lo a Eddie Fisher. Sinatra estava destinado a ser esfolado vivo ao som das suas canções. "A Família" faria bolsas com a sua pele que seriam vendidas em lojas hippies. A Tom Jones queriam degolá-lo, mas só depois de ter sido forçado a fazer sexo com Susan Atkins.Em 18 de Novembro de 1969, Vincent T. Bugliosi foi destacado para os processos relativos às mortes Tate/La Bianca. Bugliosi tinha que provar que os membros de "A Família" Manson eram responsáveis pelas mortes em casa de Tate e de LaBianca, mas também deixar claro que Charles Manson tinha ordenado os crimes. Manson tinha mandado quatro membros da sua "Família" executarem o massacre de Cielo Drive, mas ele próprio não esteve lá. Foi ele, porém, quem atou Rosemary e Leno LaBianca e deu instruções aos outros três sobre a forma de matar o casal. Foi só no dia 3 de Dezembro que Bugliosi soube de certeza absoluta quem, da "Família" Manson, tinha realmente estado envolvido nos crimes. Manson tinha enviado Charles "Tex" Watson, Susan Atkins, Patricia Krenwinkel e Linda Kasabian à casa de Tate. À casa do casal LaBianca, e a acompanhar Manson, foram Watson, Krenwinkel e Leslie Van Houten. Atkins, Kasabian e Steve "Clem" Grogan ficaram à espera no carro.Quando Susan Atkins testemunhou perante o Grande Júri, contou a mesma história escutada por Ronnie Howard e Virginia Graham, sem qualquer sentimento de culpa. Os membros do júri ficaram a olhar para ela, incrédulos. O Grande Júri demorou apenas 20 minutos para se pronunciar a favor da acusação. No dia 29 de Março de 1971 o júri completou as deliberações da pena final. Manson e as três raparigas raparam a cabeça para ouvirem os seus veredictos. O júri deliberou que Manson era culpado de homicídio em primeiro grau e condenou-o à morte. Patricia Krenwinkel respondeu: "Vocês julgaram-se a si mesmos". "É melhor fecharem as portas das vossas casas e guardarem os vossos filhos", disse Susan Atkins. Todos foram condenados a pena de morte.Em 1972, o Supremo Tribunal da Califórnia aboliu a pena de morte e as suas penas foram comutadas em prisão perpétua.*editora da "Crime Library"

Sugerir correcção