Carlos Alberto e o Porto

Já abriu, em Vila do Conde, mais uma edição da Feira Nacional de Artesanato, um dos mais importantes certames do género. A avaliar pela reacção da ministra da Saúde, que inaugurou a mostra e foi alvo de uma partida de um oleiro do Redondo, o "stand" de Timor ameaça transformar-se numa das grandes atracções.

Há cento e cinquenta anos - que se completam no próximo dia 28 -, morria na então denominada Casa de Campo da família Ferreira Pinto Basto, na Rua de Entre Quintas, o rei Carlos Alberto da Sardenha, que se tinha exilado no Porto em Março de 1849, após o seu exército ter sido derrotado em Novara, durante a luta pela unificação da Itália.Carlos Alberto de Savoia-Carignano nasceu em Turim, em 1798, tendo passado a infância em Paris, num período em que esta cidade era o epicentro da vaga revolucionária impulsionada pelo fenómeno napoleónico. Em 1814, após a queda do Império, regressou à Corte de Turim, onde os jovens liberais o olhavam com incontida esperança. Quando rebentou o movimento revolucionário no Piemonte, em 1821, foi feito regente depois da abdicação do rei Vítor Manuel I, até que Carlos Félix, irmão daquele e seu tio, regressasse a fim de assumir a soberania. Durante o seu curto governo de uma semana, e não obstante uma actuação que desagradou tanto a liberais como aos seus opositores, Carlos Alberto, impelido por manifestações populares, promulgou a Constituição de Cádis de 1812, que tinha estabelecido em Espanha as liberdades individuais, o sufrágio censitário e a soberania popular. Carlos Félix veio a reprovar a sua actuação, proibindo por algum tempo o seu aparecimento na Corte.Em 1829, por morte de Carlos Félix, Carlos Alberto assumiu o trono do reino do Piemonte-Sardenha. Após a sua chegada ao trono, Giuzeppe Mazzini - o fundador da sociedade secreta democrática "Jovem Itália", que defendia uma Itália unida e republicana - suplicava-lhe que se tornasse "o Napoleão da independência e liberdade italiana", palavras que vinham ao encontro dos seus desejos. Tanto Carlos Alberto como o conde Cavour, que era então o seu primeiro-ministro, acreditavam estar o Piemonte predestinado para encabeçar a cruzada italiana que livraria o país dos estrangeiros e unificaria todos os estados italianos sob a dinastia piemontesa.Após 1846, com a coroação do novo Papa Pio IX, que concede uma amnistia política e anuncia a realização de reformas - tais como a instauração da liberdade de imprensa, a constituição de uma milícia civil e a nomeação de um Conselho de Estado -, enfraquecendo o regime absolutista, instala-se em Itália um movimento que exige o início de um processo de constitucionalização. Apesar das suas contradições - por diversas vezes assumiu posições absolutistas, tendo combatido os liberais em Espanha, reprimido as revoltas liberais na Sardenha e apoioado D. Miguel, em Portugal -, impelido pelo exemplo papal e, particularmente, pelo deflagrar das revoluções de 1848-49 - as quais, de acordo com uma muito discutida apreciação do historiador Alexis de Tocqueville, constituíam o recomeço da Revolução Francesa -, Carlos Alberto concedeu uma constituição, o "Statuto", que se tornou a base constitucional da nova Itália. Carlos Alberto assumiu com ardor o projecto da unidade italiana, esperando colocar-se à frente do movimento que levaria à criação do novo reino da Itália. Em Março de 1848, após os Lombardos e os Venezianos se terem levantado contra o Governo austríaco, declarou por sua vez guerra à Áustria, sem ter contudo assegurado previamente as necessárias alianças, nem com um qualquer Estado estrangeiro, nem com os outros governos provisórios de Itália. Inicialmente obteve alguns êxitos contra os austríacos, mas a situação em breve se inverteu, nomeadamente após Pio IX ter decidido retirar as forças pontifícias, com base no argumento de que o papa não se podia empenhar numa guerra contra a Áustria, protectora da fé católica, exemplo que foi seguido por outros reinos italianos, como o de Nápoles e o da Toscânia. Agravada a situação, o seu exército, deficiente em organização e comando, foi sucessivamente derrotado pelos austríacos em Custozza, em 25 de Julho de 1848, e em Novara, em 23 de Março de 1849.No campo de batalha de Novara Carlos Alberto abdicou a favor de seu filho Vítor Manuel II - que, embora militarmente derrotado, se recusou a abandonar o regime constitucional -, decidindo partir a caminho do exílio, tendo escolhido Portugal para se fixar. Atravessando o Sul de França e o Norte de Espanha, entra em Portugal por Valença, escolhendo a cidade do Porto para residir, sem que até hoje se saibam exactamente quais as razões dessa preferência.Carlos Alberto tinha decidido viajar incógnito para o exílio, sob o título de conde de Barge, acompanhado apenas de dois criados. Não conseguiu, no entanto, manter o desejado anonimato, sendo por diversas vezes reconhecido ao longo da viagem, incluindo na sua chegada ao Porto. Quando entrou na cidade, pelo Carvalhido, na manhã de 19 de Abril, encontravam-se à sua espera as autoridades civis, religiosas e militares, dois esquadrões de Cavalaria e todas figuras notáveis da sociedade portuense da época, que pretendiam recebê-lo com honras reais, iniciando-se de imediato uma cerimónia de boas-vindas à qual, evidentemente, não faltaram os inevitáveis discursos. Carlos Alberto, esgotado por uma longa viagem efectuada em condições de grande desconforto - tinha viajado a cavalo -, desalentado com a derrota militar sofrida e num precário estado de saúde, não conseguiu assistir a mais de dois discursos. E, quando o secretário da câmara se preparava para proferir a terceira prelecção, fez saber que se encontrava doente e que pretendia, o mais rapidamente possível, retirar-se para uma estalagem, como um simples viajante.Este pedido tão singelo e tão pouco condizente com uma figura que se encontrava no primeiro plano da vida política europeia da época decepcionou as autoridades portuenses, que já tinham tudo preparado para o instalar no Paço Episcopal. Perante a insistência de Carlos Alberto, decidem então instalá-lo na Hospedaria de António Bernardo Pexe (ou Peixe), um palacete que tinha sido a residência do visconde de Balsemão e depois pertenceu ao visconde da Trindade, posteriormente sede dos Serviços Municipais de Gás e Electricidade e onde está actualmente instalada uma parte dos Serviços de Cultura da Câmara do Porto, na... Praça de Carlos Alberto.A caminho da hospedaria formou-se então um insólito cortejo. À frente seguia o Rei Carlos Alberto, com o governador civil à direita e o conde de Casal, general de Divisão, à esquerda. Seguiam-nos o Estado-Maior, os esquadrões de Cavalaria, uma longa fila de carruagens e, por fim, uma multidão de pessoas que, juntamente com os que assistiam à passagem do cortejo, aplaudiam o malogrado príncipe italiano. A humildade com que este se apresentou, a natural simpatia que os desventurados suscitam, aliadas à palidez que o cansaço e a doença lhe provocavam, ao seu ar sofredor e à sua melancolia, conquistaram instantaneamente os corações dos portuenses logo no momento da sua entrada na cidade.Uma semana após a sua chegada ao Porto, Carlos Alberto deixou a hospedaria mudando-se para uma pequena casa na Rua dos Quartéis (actualmente Rua de D. Manuel II). Mas, como esta fosse ainda demasiado central para quem pretendia levar uma vida recatada, transferiu-se para a Quinta do Sacramento, anteriormente chamada das Macieiras, na Rua de Entre Quintas, instalando-se na sua casa de campo o rico comerciante António Ferreira Pinto Basto (hoje Museu Romântico da Quinta da Macieirinha, onde se encontra o seu quadro, oferecido ao Senado do Porto pelo seu filho Vítor Manuel II, que aqui reproduzimos).O estado de saúde de Carlos Alberto era, contudo, bastante delicado e agravava-se de dia para dia. Em breve deixou de poder dar os curtos passeios a cavalo pela cidade, ficando retido em casa, onde os médicos Francisco d'Assis e António Fortunato se viam impotentes para contrariar a morte que se aproximava. Às três horas e meia da tarde do dia 28 de Julho de 1849, na casa da Quinta da Macieirinha, pouco mais de quatro meses após a sua chegada a Portugal, é anunciada a já esperada notícia fatal: Carlos Alberto morrera.A notícia da sua morte provocou uma profunda consternação na cidade. Toda a gente, independentemente das suas opções políticas ou classe social, sentiram vivamente a morte tão cruel e prematura do malogrado príncipe, e grande parte da população vestiu de luto. Os divertimentos públicos foram suspensos e tanto nessa noite como na seguinte não houve espectáculos no Teatro Lírico. Durante dois dias, continuamente, os sinos de todas as igrejas dobraram a finados, as bandeiras nacionais foram colocadas a meia haste, e o barulho de uma descarga de bateria, colocada no largo da Torre da Marca, soava de quarto em quarto de hora.

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