Butros-Ghali, o mal-amado, não perdoou

Butros-Ghali não esqueceu - nem perdoou: trinta meses depois de ter sido constrangido a abandonar a ideia de um segundo mandato à frente das Nações Unidas, o antigo secretário-geral da organização vem aí com um livro destinado a ajustar contas."Unvanquished: a US-UN Saga" ("Indomável: Uma Saga EUA-ONU"), a ser publicado proximamente, é a história do conflito que opôs os Estados Unidos e o autor, durante meses, até ao afastamento deste, em Dezembro de 1996, no meio de um azedume de que nunca se curou.Na obra, de que o "New York Times" acaba de publicar uma recensão, o diplomata, egípcio de nascimento e francófono de formação, não poupa críticas à política dos Estados Unidos face à organização, acusando-os por exemplo de prolixos nas palavras mas avaros nos pagamentos das quotas e nas acções - excepto nas que lhe convêm.Sempre que as Nações Unidas foram chamadas a cumprir a sua missão sem a implicação norte-americana, as tarefas foram bem sucedidas, como aconteceu no caso de Moçambique. Pelo contrário, quando os EUA quiseram desempenhar um papel de primeira grandeza, quando na realidade "evitavam as decisões difíceis", como na Bósnia, na Somália ou no Ruanda, as operações fracassaram.Os Estados Unidos, cujo poder o fim da guerra fria não beliscou, assumem um papel "hegemónico" que é a causa da inoperacionalidade da ONU, que "devia continuar a ser a voz dos povos mais fracos e menos considerados".Mas as críticas mais amargas de "Indomável: Uma Saga EUA-ONU" vão para o Departamento de Estado, quer para o seu titular ao tempo, Warren Christopher, quer para a sua embaixadora, Madeleine Albright, tratados no limite. Roçando o despeito, Butros-Ghali recorda o chefe da diplomacia americana essencialmente como um homem muito direito nos "cortes impecáveis dos seus fatos" e Albright como uma mera "conselheira política" e uma "professora pouco eminente"."Ela parecia dar pouco interesse ao difícil trabalho diplomático que consiste em persuadir os seus colegas estrangeiros a seguirem as posições do seu Governo, preferindo dar uma lição ou falar de maneira afirmativa, ou simplesmente ler o verbatim das suas notas", acusa."Parecia ter por adquirido que o simples enunciado da política americana devia ser suficiente para conseguir a adesão das outras nações", acrescenta, antes de o escrito se transformar no argumento de uma novela."Madeleine Albright e eu parecíamos ter uma relação de amor-ódio", afirma, num tom melodramático. Sorria de uma forma agradável mas, ao mesmo tempo, "levava a sua campanha com determinação, não deixando passar nenhuma ocasião para demolir a minha autoridade e denegrir a minha imagem".A seguir quase compara a diplomata a uma pelintra mal-intencionada do Central Park, atribuindo-lhe esta confissão, ouvida por um americano que depois lha contou: "Vou deixar que ele pense que sou sua amiga e depois parto-lhe as pernas!"Porquê tanto desamor? Porque, diz Ghali, ele era um elo frágil, numa instituição frágil no meio da campanha para as presidenciais americanas, disputadas por Clinton e o seu rival republicano Bob Dole, que fizeram dele o bombo da festa.Para o Departamento de Estado, a história, claro, é outra. Segundo James Rubin, porta-voz de Madeleine Albright, hoje secretária de Estado, o que se passou foi que Butros Butros-Ghali não foi reconduzido no cargo por ser "incompetente" para reformar as Nações Unidas.Dois anos e meio passados, tudo o que resta ao antigo secretário-geral e actual líder da Francofonia é o conforto de um sábio hindu, que um dia disse que "não há diferença entre a política e o embuste".

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