O homem dos elevadores

A Câmara de Braga desafia o Ministério da Saúde a entregar-lhe a construção do novo hospital da cidade, que servirá mais de um milhão de pessoas de toda a região minhota. A autarquia garante que conclui as obras em menos de metade do tempo previsto, o que facilita a articulação com o curso de Medicina recentemente criado na Universidade do Minho. O director do actual hospital bracarense encara com bons olhos esta solução.

Se fizermos uma retrospectiva de todos os portuenses que, no século passado, por este ou aquele motivo, adquiriram alguma notoriedade, nenhum deles é hoje em dia tão desconhecido quanto Raul Mesnier du Ponsard. Apesar do seu nome estrangeiro - a sua família, originária de França, estabeleceu-se em Portugal, mais concretamente em Braga, onde o seu pai veio a dirigir o gasómetro daquela cidade - Raul Mesnier, como ficou conhecido, nasceu no Porto, em 2 de Abril de 1849, ou seja, há precisamente 150 anos.Raul Mesnier passou a sua juventude no Porto, onde completou os estudos liceais. Matriculo-se seguidamente na Universidade de Coimbra e aí concluiu os cursos de Matemática e de Filosofia, que frequentou paralelamente. Sentindo necessidade de aprofundar os seus conhecimentos, partiu para o estrangeiro, com vista a especializar-se em Engenharia Mecânica, tendo frequentado algumas das principais escolas da França, Alemanha e Suíça. Neste último país, teve oportunidade de estagiar nas oficinas da empresa construtora de elevadores de montanha do famoso engenheiro Nikolaus Riggenbach, experiência que havia de marcá-lo para toda a vida.Uma vez regressado a Portugal, Raul Mesnier propõe-se aplicar os conhecimentos que tinha adquirido no estrangeiro, concretamente os que resultaram da sua estadia na Suíça. Deste modo, irá ser o autor de uma obra - pioneira na Península Ibérica - que haveria de constituir um estrondoso sucesso, granjeando-lhe a correspondente reputação: o elevador do Bom Jesus, em Braga. Na sua concepção, Raul Mesnier aplicou o sistema desenvolvido por Riggenbach - que esteve em Braga, em 1884, para assistir à inauguração - na construção de ascensores e locomotivas de montanha, com pleno sucesso, uma vez que o elevador ainda hoje se encontra em pleno funcionamento, nunca tendo sofrido algum acidente.Infelizmente, já o mesmo não se pode dizer do único elevador que Raul Mesnier construiu na sua terra natal, o elevador dos Guindais. Inaugurado em 1891, partia da zona da Ribeira, próximo da Ponte de Luís I, subindo encostado às muralhas até perto do edifício do Governo Civil. Contrariamente ao do Bom Jesus, o sistema utilizado pelo elevador dos Guindais era accionado por energia a vapor, percorrendo aquele um trajecto com 412 metros de comprimento, em cerca de cinco minutos. Decorridos dois anos de pleno funcionamento, em 5 de Junho de 1893, um acidente veio pôr cobro a um meio de transporte que rapidamente se tinha popularizado na cidade. Como ainda hoje sucede, o desastre - que, felizmente, provocou apenas alguns feridos ligeiros, embora uma das composições tenha ficado completamente destroçada - deveu-se a "falha humana", tendo o respectivo condutor sido acusado de negligência, acabando por ter de cumprir uma pena de prisão após se ter comprovado a sua responsabilidade no sucedido.Apesar do insucesso registado no Porto - que teve como consequência o abandono de outros projectos congéneres, ligando a zona da Vitória à Alfândega e da Batalha a S. Bento -, Raul Mesnier viria a conhecer um êxito enorme em Lisboa. Na capital, construiu o primeiro ascensor, ligando a Calçada do Lavra ao Campo de Santana, inaugurado em 19 de Abril de 1884, e que ainda hoje se encontra ao serviço. Nesse dia, dado que a viagem era gratuita, transportou mais de 3 mil passageiros, tendo funcionado 16 horas consecutivas. Tal como o do Bom Jesus, do qual era contemporâneo, funcionava inicialmente pelo sistema de cremalheira e por contrapeso de água, tendo sido electrificado em 1910.O sucesso obtido com a construção do ascensor do Lavra foi de tal envergadura que quase se pode dizer que Raul Mesnier nunca mais parou de construir elevadores: seguiram-se o ascensor da Glória - ainda ao serviço - ligando a Avenida da Liberdade à Rua de S. Pedro de Alcântara, inaugurado em 1885; o ascensor da Bica - também em actividade - ligando a Rua de S. Paulo ao Largo do Calhariz, inaugurado em 1888; o da Praça de Camões ao Largo da Estrela (1890); o da Rua do Crucifixo à Rua Garrett (1892); o da Graça (1893); o do largo de S. Julião ao Largo da Biblioteca (1897); o de S. Sebastião da Pedreira (1899). Estes últimos já não existem há muito tempo.Será, contudo, com o elevador de Santa Justa que Raul Mesnier conhecerá a sua máxima notoriedade. Dispondo de um passadiço metálico que o liga à Rua Nova do Carmo, e que constitui um dos seus elementos mais importantes, o elevador de Santa Justa - inaugurado em 10 de Julho de 1902 - foi concebido em estilo neogótico, constituindo uma dos mais notáveis monumentos da arquitectura do ferro existentes em Portugal. Frequentemente atribuído a Eiffel - como todas os monumentos, existentes neste país, que apresentem estruturas metálicas -, o elevador foi concebido e construído por Raul Mesnier, um portuense cujo nome, ironicamente, ficou mais ligado a Lisboa do que à sua cidade natal.Uma outra faceta de Raul Mesnier, ainda mais desconhecida, prende-se com a sua actividade como inventor, num domínio muito particular: o das armas de fogo. Em 1879, quando ainda vivia no Porto, publicou nesta cidade nada menos do que cinco projectos de novas armas de fogo, de sua invenção. Para além de inúmeras modificações e melhoramentos, aplicáveis a armas já existentes no mercado, e de fabrico estrangeiro, Raul Mesnier concebeu também um projecto de uma nova espingarda de guerra, e um novo método de obturador para espingarda de guerra, de carregar pela culatra, que chegou a ser construído, sob sua direcção, na fábrica de armas do Arsenal do Exército.Uma das suas invenções mais notáveis - que valeria a pena recordar mais aprofundadamente - foi o "Aritmotecno", uma máquina destinada a executar todas as operações aritméticas com um rigor absoluto e uma inexcedível rapidez - uma precursora das actuais máquinas de calcular -, a qual o próprio apresentou no Porto em 1882, tendo para o efeito editado uma pequena publicação onde explicava o seu funcionamento.No ano em que se completam 150 anos do nascimento de Raul Mesnier não seria descabido que a sua cidade natal lhe prestasse a homenagem que ainda não teve, mas à qual, reconhecidamente, tem direito. Nem que seja, apenas, ao nível da toponímia.

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