Um guia para as pontes romanas

As pontes são referências fundamentais na paisagem e um dos indicadores mais antigos de civilização. Cá as pontes são muitas vezes associadas à presença romana no território peninsular e não existe cidade, vila, aldeia ou lugar que resista a datar a sua ponte desse período. Mas nem todas são genuinamente romanas. A publicação recente de um levantamento sobre as pontes romanas portuguesas permite não só identificar as verdadeiras como avaliar a extensão desse importantissimo património.

Parece fácil encontrar em Portugal uma ponte romana, mas não é assim. Quem o afirma é Paulo Mendes Pinto, o historiador que coordenou "Pontes Romanas de Portugal", uma publicação da Associação Juventude e Património: "Muitas vezes existia uma indicação vaga sobre a localização de uma provável ponte romana e depois andávamos dias até a encontrarmos". Outras vezes ainda, as equipas que executaram o trabalho de campo seguiam falsas pistas. É que não existe lugarejo em Portugal que não ostente orgulhoso a sua ponte romana. Pode não ser genuinamente romana, contudo a tradição assim o exige: é uma forma de dignificar o passado desse aglomerado e, simultaneamente, uma prova de civilização. A herança romana mede-se pelo mito e por vezes classificam-se como "romanas" pontes com apenas dois ou três séculos."Esta é a parte mais complicada" - esclarece o historiador - "eleger o que poderá ser ou não 'romano', porque a nível técnico e estético uma ponte não variou muito até ao século XIX. Tivemos assim que criar parâmetros de enquadramento. Temos consciência que se estes fossem muito amplos, em vez de 60 pontes romanas teríamos encontrado 600. Se, por outro lado, restringíssemos muito, teríamos apenas seis." As pontes estão entre os vestígios construídos mais visíveis da romanização do espaço ibérico. Mas não é fácil reconhecê-las: "A primeira grande dificuldade é que o tema foi pouco trabalhado em Portugal e os estudos que existem incidem sobre as vias e não especificamente sobre as pontes. A segunda relaciona-se com o facto de ser um património disseminado por todo o território."A ideia de "Pontes Romanas de Portugal" partiu de uma investigação desenvolvida no âmbito da Associação Juventude e Património sob direcção de Paulo Mendes Pinto, que assina, com José Carlos Quaresma, os textos descritivos do levantamento. É o primeiro volume de uma colecção de cinco inventários que tratarão as pontes portuguesas em diversos tempos cronológicos: a época da reconquista cristã, a dinâmica do estado moderno (séculos XIV-XVIII), o uso do ferro e a proliferação contemporânea do betão. Lamenta-se somente a fraca apresentação gráfica, esperando-se maior exigência para as próximas edições. Paulo Mendes Pinto espera que o projecto, na sua totalidade, esteja completo em dois anos e meio e o próximo volume talvez saia ainda este ano: "É apenas uma expectativa porque o estudo das pontes medievais que gostaríamos de publicar agora implica um campo de análise que o anterior não contemplou, que é o trabalho em arquivo e esse é difícil de prever."Em "Pontes Romanas de Portugal" dão-se dados sobre os objectivos acalalentados com a edificação de uma ponte. Primeiro construíram-se por necessidade militar e só depois se colocou a questão da monumentalização de uma cidade ou de um lugar. O seu financiamento poderia ser proveniente de impostos ou dever-se à iniciativa privada. Quanto aos processos construtivos, estes equilibravam-se entre o saber dos pedreiros locais e as regras teóricas indicadas nos tratados de arquitectura, designadamente nos dez livros de Vitrúvio, fonte privilegiada da antiguidade clássica. Uma das partes interessantes do livro é a sugestão de percursos guiados às 60 pontes. Os tipos são muito variados e compreendem desde a ponte de apenas um arco, como a pequena ponte de S. Lourenço, na região de Chaves, com cerca de 10 metros de comprimento, à imponente ponte de Trajano, também em Chaves, da qual "hoje restam, visíveis, 12 arcos ao longo de 100 metros de ponte". Paulo Mendes Pinto reconhece também que quando iniciaram o projecto não tinham noção do que existia: "A tradição historiográfica fala de poucas pontes, de Vila Formosa e de Chaves, que estão entre as mais monumentais. Afinal as que chegaram até nós mostram que a presença romana foi muito maior."À partida, os homens que foram fazer o inventário sabiam que os romanos contruíram de três maneiras diferentes, de acordo com os meios disponíveis e com a urgência da iniciativa. Entre as de estrutura mais simples, estavam as pontes flutuantes, resultado de um conjunto de barcos ou jangadas amarradas entre si que cumpriam o objectivo de atravessar uma linha de água. Depois, as pontes fixas de madeira, erguidas sobre dezenas ou até centenas de estacas. Finalmente, as de pedra que perduram e foram objecto do levantamento: "Só nos chegaram as pontes de pedra feitas em arco. Ora, estas até deveriam ser minoritárias." Afinal como eram as pontes que os romanos construíram em Portugal? No conjunto das pontes de pedra inventariadas neste trabalho, um terço, possui apenas um arco e cerca de 20 metros de comprimento. Chamam-se pontes de tipo itálico: "No caso português, estas pontes apresentam geralmente um arco com luz modesta (entre 5 a 10 metros) ou pequena (até 5 metros)." A "luz" ou "lumen" é a distância entre os pilares, medida na horizontal, e "era um dos elementos essenciais para o sucesso da ponte", já que dela dependia a altura que a ponte poderia atingir. Quanto à largura, esta não ultrapassava os oito metros. "Em Portugal, apenas a ponte de Alferrarede excede este valor (8,5 metros), mas possui uma explicação plausível: exerceu uma dupla função, como ponte e como dique". Por último, Mendes Pinto chama a atenção para o facto das pontes definirem uma linha recta, ainda que sobrevivam excepções: "A ponte de Idanha-a-Velha não possui um eixo viário de planta rectilínea, delineando um 'S', o que é raro, mas não único no mundo romano."A configuração do arco é preponderantemente em volta perfeita, desenhando um semi círculo, ou então ligeiramente abatido. É ainda frequente detectarem-se os locais de fixação dos andaimes de madeira montados aquando da construção do arco.As de granito e calcário encontram-se entre as pontes mais resistentes. Também a regularidade das suas formas se revê no material: "A irregularidade é frequente em arcos feitos com pedras menos resistentes, mas também de difícil talhe, como o xisto".Não se pretendia apenas tirar partido do efeito plástico da sua configuração, ainda que, nas palavras de Paulo Mendes Pinto, "as pessoas hoje queiram ver peças de algum valor e nessa perspectiva, as pontes romanas estão entre os testemunhos de maior monumentalidade." Justifica assim a admiração que ainda causam. No entanto, a sua construção era antes o resultado da necessidade que moldava o engenho e a perícia dos construtores romanos. Nisso foram ilustres mestres: "Mesmo as pontes de pequenas dimensões - as que foram feitas por pedreiros locais sob ordens de capatazes romanos -; mesmo as de pedra menos bem talhada, estão entre o melhor património monumental romano que resistiu entre nós."

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