Segurança deficiente no metro

Se hoje um incêndio atingisse o metro, as dificuldades no combate seriam as mesmas que foi preciso enfrentar em 1997. Comunicações e equipamentos têm de ser melhorados e ainda estão por fazer os testes e simulacros sugeridos pela comissão de inquérito do incêndio da Alameda. Mas a administração do Metropolitano de Lisboa diz que "isso só faz sentido quando estiverem definidos todos os procedimentos de segurança". O que não acontece.

Com a autoridade de segurança demissionária, um plano de emergência contra incêndios por concluir, e suspensas há quase um mês as visitas que o Regimento de Sapadores Bombeiros (RSB) estava a fazer às instalações, o Metropolitano de Lisboa continua a enfrentar os mesmos riscos e problemas com que deparou em Outubro de 1997, no incêndio da estação da Alameda, que provocou dois mortos.O Metropolitano afirma ter "todo o interesse em retomar as visitas que os homens do RSB estavam a fazer ao metro". E agora - diz o administrador Pedro Gonçalves - "da forma que para eles seja mais proveitosa", já que se queixaram do programa das que foram feitas até aqui, por serem "turísticas" e não cumprirem os objectivos propostos. Mas Pedro Gonçalves considera que "só faz sentido fazer exercícios, testes e simulações quando todos os procedimentos de segurança estiverem acertados" - o que ainda não acontece. E parece estar longe de acontecer.Pelo que já observaram, os bombeiros detectaram falhas graves no Metro, de incompatibilidade entre os equipamentos instalados e os que eles próprios usam, o que, na hora do aperto, poderá causar grandes dificuldades no combate ao fogo e no salvamento de eventuais vítimas.A realização de "exercícios de intervenção e de evacuação das estações e das composições" era uma das recomendações feitas já há mais de um ano - em Novembro de 1997 - no relatório da comissão de inquérito ao incêndio da Alameda. Pedro Gonçalves diz que o Metro está agora a "tentar adoptar as recomendações da comissão de inquérito". Mas, logo à partida, os responsáveis da empresa não se mostram disponíveis para aplicar algumas delas.A instalação de pontos de penetração entre as estações, devidamente protegidos e para uso exclusivo dos bombeiros, era uma das recomendações do relatório, mas o Metro diz que essa é uma medida difícil de adoptar, porque levantaria outros problemas de segurança, ao facilitar o acesso às estações a pessoas exteriores à empresa."Contactámos com o Metro de Londres, que também já passou por uma situação grave, de incêndio, na estação de Charing Cross, há alguns anos, e eles dizem que só quando os túneis têm mais de 1,5 quilómetros de comprimento é que abrem pontos de penetração intermédios. Ora", afirma Pedro Gonçalves, "nas nossas estações, a distância máxima dos túneis é de 700 a 800 metros, o que significa que, se um incêndio ocorrer no ponto intermédio, estará a 350, 400 metros da estação, ponto a partir do qual pode ser combatido pelos bombeiros."Só que, para chegar às plataformas de algumas estações, as mangueiras têm de percorrer muitas centenas de metros, como sucede na Baixa-Chiado, com um declive enorme a vencer e onde há apenas uma saída de emergência, ou em Entrecampos, com cerca de uma centena de metros a percorrer até chegar ao átrio.A instalação de um sistema de controlo de desenfumagem, recomendada pela comissão de inquérito, também não é encarada pelo Metro, que diz, porém, estar a estudar, em conjunto com a EDP, a possibilidade de dotar os postos de ventilação de uma alimentação eléctrica autónoma de recurso, que entre automaticamente em acção, em caso de eventual corte de energia na rede central. Dessa forma, o funcionamento da ventilação não estaria sujeito a quebras de energia, nem dependeria do sistema eléctrico central da rede do metro.Mas para os bombeiros do RSB, o problema mantém-se se não houver no Metro quem saiba operar com o sistema de ventilação, situação que já defrontaram.Terá sido isso o que se verificou recentemente, quando os homens do RSB foram chamados, na sequência de um alerta de fumos na estação do Martim Moniz. Na estação e no túnel não foi detectado qualquer foco de incêndio, e o que se terá verificado, como o próprio Metro reconhece, é que o sistema funcionou ao contrário, aspirando fumos do exterior em vez de expelir os que houvesse na estação - o que é entendido como uma situação grave pelos bombeiros. "É preciso que, no Metro, haja pessoal que saiba operar correctamente com o sistema, caso contrário é até perigoso", salienta fonte do RSB.Outra recomendação do relatório previa a instalação nas galerias de uma coluna seca - um tubo instalado ao longo dos túneis capaz de ser alimentado por água, injectada a partir das bocas de incêndio nas estações ou de autotanques dos bombeiros.O Metro admite não ter ainda concretizado em pleno essa medida e diz que irá rever a instalação parcial já feita, onde foram detectadas incompatibilidades de equipamentos. A coluna seca já começou a ser introduzida nalgumas das novas estações, nomeadamente nas da Linha do Oriente, em parte da Linha Verde, entre a Alameda e o Cais do Sodré e nos túneis entre a Baixa-Chiado e os Restauradores.Mas não há homogeneidade no material instalado pelos empreiteiros, como já constatou o RSB, o que em muitos casos implica que as bocas de entrada da coluna seca não sejam adaptáveis às mangueiras que os bombeiros utilizam. Depois de corrigida - o que se poderá fazer em cerca de um mês, segundo Pedro Gonçalves -, a coluna seca deverá estender-se às restantes galerias da rede, nomeadamente à linha amarela, Rato-Campo Grande. Mas, tal como os restantes equipamentos com que o Metro irá dotar as estações, tudo terá de ser testado."O nosso objectivo é criar um canal regular de comunicação e acertar um programa de acção em conjunto com o Regimento de Sapadores Bombeiros", sublinhou Pedro Gonçalves. E, na falta do interlocutor principal, a autoridade de segurança do Metro, representada por Eduardo Zuquete, entretanto demissionário - por razões pessoais, segundo a empresa -, "outros funcionários do serviço de segurança garantirão esse diálogo", diz Pedro Gonçalves, "até que o Metro encontre alguém com um perfil que se coadune" para exercer as funções de Zuquete.Entre os equipamentos que o Metro irá adquirir, por recomendação dos bombeiros e da comissão de inquérito, incluem-se os "kits" de sobrevivência. "Vamos equipar cada estação com três destes 'kits', com aparelhos que têm uma autonomia de respiração de 10 minutos. Já os aparelhos de maior porte, com uma autonomia maior, de cerca de 40 minutos, serão comprados pelo Metro e confiados aos bombeiros", disse Pedro Gonçalves. Nestes equipamentos, cuja aquisição está já garantida, os gastos apontam para cerca de 100 mil contos. Mas o Metro não sabe ainda quanto irá gastar no plano global de emergência contra incêndios. "Não há ainda um orçamento feito", disse o administrador.Já quanto à aquisição de um carrinho capaz de andar nos carris, também reivindicada pelos bombeiros, o Metro diz desconhecer este pedido, que "não constava nas recomendações da comissão de inquérito", razão pela qual admite que não tenha sido encarada. No entanto, também afirma que nos PMO (parques de materiais e oficinas) a empresa tem carros que podem andar sobre os carris e que "eventualmente podem ser usados em caso de acidente" - um dado que os bombeiros desconhecem e que também não testaram.Outro problema sentido no combate ao incêndio da Alameda relacionou-se com o acesso às estações: perderam-se cerca de 40 minutos até que chegasse a chave para entrar, e já houve casos em que foi preciso arrombar portas, porque as chaves não apareceram em tempo útil.Por isso, o Metro encara agora a substituição de todas as fechaduras, instalando uma chave-mestra para cada estação da rede, o que dá um grande molho. "Na prática, vamos ter 40 chaves-mestras, uma para cada estação da rede, mas como o comandante José Lameirinhas já nos disse que não as quer ter nos carros do RSB, elas só serão entregues aos bombeiros quando se justificar", disse Eduardo Zuquete, quando ainda estava em funções. O objectivo dos bombeiros, no entanto, é ter apenas uma chave, que dê acesso a todas as estações e que possa estar sempre disponível em caso de necessidade. Porque ninguém sabe, à partida, que carro avançará primeiro em caso de sinistro nem qual a estação onde ele ocorrerá.Quanto a exercícios e simulacros, o Metro não se mostra muito disponível para os fazer para já, e menos ainda durante o dia, no período de exploração da rede, das 6h30 à 1h. No entanto, Pedro Gonçalves admite que eles poderiam ser feitos "no túnel que foi desactivado, entre o Rossio e os Restauradores".No incêndio da Alameda, um outro problema foi o das comunicações com a própria central de movimento: o maquinista que primeiro detectou o fogo não conseguiu alertar de imediato a central, nem a estação seguinte, porque a via rádio registou dificuldades de comunicação. O alerta acabou por ser dado pessoalmente pelo maquinista, cinco minutos depois, ao chefe da estação Roma, que por seu turno avisou a central de movimento.Esta perda de tempo ilustra que há ainda que melhorar as comunicações internas e com o exterior, embora existam já "linhas ponto a ponto ligadas ao Regimento de Sapadores Bombeiros, à PSP e à central de despacho da EDP"."Todas as estações de metro, além de estarem ligadas à rede da EDP, dispõem de um segundo circuito de alimentação, que permite manter o mínimo de luz ambiente durante uma hora", afirma o administrador Pedro Gonçalves. E nas novas estações há ainda uma terceira hipótese - blocos autónomos de iluminação - se falharem as baterias normais.Entre os equipamentos de que o Metro afirma dispor incluem-se "os marcos de incêndio, à entrada de todas as estações, que estão ligados à rede pública da EPAL", embora por vezes haja surpresas com eles, como no caso do incêndio nos Paços do Concelho, em que não havia pressão em alguns e outros estavam cobertos de betão. No interior das estações, segundo a administração do Metropolitano, além dos extintores, há uma rede de combate a incêndios interna, com mangueiras, também ela abastecida pela EPAL.Difícil e sem alterações de vulto continua a ser a possibilidade de movimentação dos bombeiros nos túneis, no caso de salvamento de vítimas. Os corredores por onde têm de passar com as macas medem entre 35 centímetros de largura - na rede mais antiga - e 70 centímetros, como sucede nos túneis construídos na fase de expansão até 1998.O Metro admite que é difícil circular nesses apertados corredores quando se carregam macas, mas salienta que, se o comboio estiver imobilizado no túnel, há sempre a hipótese de retirar as vítimas através das portas do topo das composições, que podem ser abertas em qualquer momento.Falar na possibilidade de um incêndio pode parecer uma eventualidade pouco provável, sobretudo durante a fase de exploração - o da Alameda deu-se de madrugada e na fase de obras na estação, sublinham os responsáveis. Mas o certo é que o perigo não avisa e vem de longe. Em 1976, entre Arroios e a Alameda, em pleno dia, arderam três carruagens, num incêndio que se saldou sem vítimas, ao contrário do verificado 21 anos depois, em Outubro de 1997, que até hoje reclama um conjunto de procedimentos de segurança ainda por acertar.

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