Torne-se perito

Balões de lava no mar

Uma semana depois do início de uma missão ao vulcão da Serreta, os cientistas portugueses obtiveram imagens e confirmaram algumas explicações para o fenómeno de erupção detectada em Dezembro do ano passado. O vulcão, tal como suspeitavam, não é propriamente um vulcão. E a lava que chega à superfície do mar contém gases.

O fundo do mar ao largo da ilha Terceira, nos Açores, tem andado a expelir uma espécie de bolas de sabão. Ou melhor, balões de lava, na metáfora usada por João Luís Gaspar, director do Centro de Vulcanologia da Universidade dos Açores e coordenador de uma missão científica que está a estudar o vulcão da Serreta, em actividade desde meados de Dezembro. Os blocos escuros de lava fumegante que têm aparecido à superfície do mar, a cerca de dez quilómetros da Ponta da Serreta, no canal entre as ilhas Terceira e São Jorge, vêm cheios de gases vulcânicos. "Esses blocos ascendem à superfície como se fossem balões de lava." Só que, ao contrário das bolas de sabão, não são leves nem sobem no ar até rebentar. "Flutuam uns minutos, libertam o gás que está lá dentro, vão estalando e, quando arrefecem, perdem o gás e deixam de flutuar. Acabam por se encher de água e afundar-se", explica João Luís Gaspar. O vulcão submarino da Serreta apresenta outra particularidade: não é um vulcão. Ou seja, não é uma montanha que cospe lava, mas um sistema vulcânico composto por diversas fracturas na crosta terrestre, ao longo das quais a lava é expelida - continua João Luís Gaspar, num balanço da missão científica, que começou a 6 de Abril, termina amanhã e envolve várias instituições de investigação portuguesas (as universidades dos Açores, de Lisboa, do Algarve, o Instituto do Mar e o Instituto Hidrográfico). "Não é um vulcão", precisa o investigador, ainda que na linguagem corrente seja assim identificado. "É um sistema vulcânico com vários focos, ao longo dos quais a actividade vai migrando e variando de intensidade. Há focos ao longo de um conjunto de fracturas, que são alinhamentos tectónicos na zona, por onde a lava ascende e sai do fundo do mar. Esses alinhamentos estão a reagir às tensões provocadas pela intrusão de magma", continua. "Os blocos que ascendem acabam por identificar o posicionamento dos focos em profundidade."Todos estes dados, recolhidos na missão científica financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, confirmam os modelos iniciais propostos para a erupção vulcânica da Serreta, cujos primeiros relatos são de 18 de Dezembro. "O facto de o magma ser bastante fluido determina que a erupção se desenvolva num estilo mais calmo, menos explosivo." O que sai pelas fracturas são, precisamente, os tais balões de lava. Ontem, em mais um dia de missão no mar - baptizada "Ávila Martins", em homenagem a este geólogo, falecido recentemente, que foi vice-reitor e director do Departamento de Geociências da Universidade dos Açores -, os investigadores, a bordo da traineira de pesca "Maria Medina", continuaram os trabalhos com um veículo submarino comandado à distância (um ROV). O ROV, ligado à embarcação por um cabo de 400 metros e que regista imagens em vídeo, desceu para tentar recolher, com um braço robotizado, amostras de sedimentos. Não o conseguiu devido a um problema técnico, mas o veículo, que desceu até cerca de 365 metros, atravessou uma nuvem de partículas de rocha e gases provenientes de um foco vulcânico a uns 150 metros de distância - conta Fernando Barriga, presidente do Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa."Atravessámos, pelo menos duas vezes, regiões em que a água não era límpida e tinha partículas de rocha em suspensão, muitas delas pequeninas, formando uma nuvem que dava um ar leitoso e algo turvo e turbulento. Outras partículas que encontrámos são mais grosseiras, do tamanho de grãos de areia", diz Fernando Barriga, referindo ainda que a nuvem vulcânica também é constituída por bolhas gasosas cujas dimensões variam entre o meio centímetro e cinco a dez centímetros.No primeiro dia de mergulho do ROV, na sexta-feira, o aparelho captou as primeiras imagens do fenómeno vulcânico a uma dezena de metros de profundidade. Os investigadores viram, finalmente, os blocos de lava no processo de chegada à superfície e posterior afundamento. No segundo dia de mergulho, o aparelho foi aos 380 metros sem, no entanto, atingir o fundo do mar. Já na terceira descida, na segunda-feira, a mais de 320 metros, chegou ao fundo, tendo ficado a uns 200 metros de um foco de actividade. João Luís Gaspar conta que, nesse mergulho, se obtiveram imagens de um material depositado no fundo - umas areias soltas. "Pensamos que possam ser produtos da erupção." Ontem, a viagem através das partículas, apesar de não ter trazido sedimentos para determinar a sua natureza, confirma que eles são recentes.

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