Uma casa para a Animação

O estúdio Filmógrafo, fundado há mais de dez anos no Porto e com uma história já consagrada no mundo do cinema animado, quer criar uma Casa da Animação na cidade. Para tal, elaborou um projecto que já fez chegar aos responsáveis do Porto 2001 - mas também à câmara municipal e ao Instituto do Cinema Audiovisual e Multimédia (ICAM). Uma iniciativa justificada pelo entendimento de que uma Capital Europeia da Cultura, em paralelo com "uma dimensão mais efémera e mais espectacular da animação cultural e da oferta artística pontual, não dispensa a necessidade de realizar condições para iniciativas no âmbito de uma segunda dimensão, que é condição da regularidade da primeira", como se pode ler no texto de apresentação. Em conversa com o PÚBLICO, o realizador Abi Feijó - fundador do Filmógrafo e realizador ("Os Salteadores", "Fado Lusitano", etc...) que ajudou a consolidar o prestígio do estúdio - explica que a ideia deste projecto vem germinando já há algum tempo. O facto de o Porto ter entretanto sido designado Capital Europeia da Cultura veio criar uma conjuntura que Abi considera poder ser "favorável" à concretização do projecto. Mas isso não significa que o Filmógrafo o queira "impor" à comissão do Porto 2001. Quer, antes, aproveitar a dinâmica que necessariamente vai surgir a propósito do evento para fazer inscrever nele a arte do cinema animado.O projecto da Casa da Animação aponta para três vertentes fundamentais: a produção, a divulgação e exibição e a formação, sendo a primeira e a última as áreas nas quais o Filmógrafo tem já uma experiência e uma carreira consolidadas.O edifício para acolher essas vertentes tanto poderá ser construído de raiz como resultar da adaptação de algum já existente - em contactos anteriores, o Filmógrafo chegou a receber do CRUARB uma sugestão para a ocupação de um espaço camarário, na altura devoluto, na zona da Ribeira; mais recentemente, surgiu a hipótese de aquisição do velho edifício do Portuense Rádio Club, na Avenida de Rodrigues de Freitas... Mas a localização da casa é, para os responsáveis do Filmógrafo, um aspecto secundário, apenas com a ressalva de que ela deverá poder articular-se com os outros equipamentos culturais já existentes ou a construir no centro da cidade.A Casa da Animação deveria, então, contemplar as seguintes valências: um pequeno auditório polivalente, de 50 a 100 lugares, que possa funcionar como sala de exibição, mas também como estúdio e lugar de conferências, seminários, etc...; um "foyer" para exposições, permanentes (por exemplo, mostras didácticas sobre a história da animação) e temporárias (sobre os ciclos ou acções a promover); uma biblioteca especializada, aberta não só aos frequentadores como também aos alunos das escolas de artes do Grande Porto; um "cyber-café" ligado às novas tecnologias; uma loja que permitisse comercializar os filmes e outros produtos da Casa da Animação, mas também artigos ligados ao mundo desta arte; um espaço polivalente para acções de formação e "ateliers"; e, finalmente, um arquivo onde se possa salvaguardar tudo o que, para além dos filmes (que em princípio serão guardados no Arquivo Nacional das Imagens Animadas), constitui o património de um estúdio de animação: desenhos, bonecos, "story-boards", máquinas, etc...Apesar de querer ver reconhecido o seu estatuto de principal impulsionador e "manter o controlo do projecto", o Filmógrafo não quer apoderar-se da Casa da Animação. Em vez disso, considera que deverá ser criada uma associação cultural que assuma o projecto, e que faça com que a Casa venha articular-se funcionalmente com outras instituições que na cidade do Porto e na região trabalham nessa área. Abi Feijó cita os casos da Associação de Ludotecas do Porto e o trabalho que esta vem desenvolvendo no Centro Lúdico da Imagem Animada, no Coliseu; mas também o Cinanima, o Cineclube de Avanca ou o Festival de Curtas-Metragens de Vila do Conde. A proposta concreta entretanto avançada é que o Filmógrafo possa vir a instalar-se na Casa da Animação num regime de aluguer. O estúdio resolveria, assim, o problema da precariedade das instalações que ocupa na Rua do Duque de Loulé.É nesse espaço que actualmente o Filmógrafo trabalha na produção e realização de novos filmes: "Clandestino", que o próprio Abi Feijó está a realizar a partir dum conto de José Rodrigues Miguéis; "A Noite", de Regina Pessoa; "Interstícios", de Marina Graça; e a pré-produção do novo projecto de Pedro Serrazina, "Os Olhos do Farol", para o qual o autor acabou de receber um subsídio do ICAM.A concretizar-se a criação da Casa da Animação, no âmbito do Porto 2001, o Filmógrafo pode avançar para a organização de iniciativas a pensar na Capital da Cultura. Por exemplo, uma retrospectiva da animação holandesa, uma das cinematografias europeias mais importantes; ou a realização de um filme animado que funcionasse como espécie de apresentação da história da cidade do Porto, à imagem de "Fado Lusitano", curta-metragem que Abi Feijó fez sobre o nosso país, para uma série europeia.O autor de "Os Salteadores" esclarece que "2001 é uma data motivadora, pelo que apresenta de possibilidade de mobilização de meios; mas não queremos pedir tudo ao Porto 2001". E lembra que a Casa da Animação poderia ir buscar ajudas a outras instituições, nomeadamente aos organismos estatais que normalmente subsidiam esta arte, como é o caso do ICAM. Abi Feijó refere ainda que o ano de 2001 "não é uma obsessão". O que é importante, diz, é que esse novo espaço venha mesmo a concretizar-se, na cidade que viu nascer o cinema português.

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