Sangue, tradição e "lobbies"

O mundo taurino está a mexer-se. Ontem, no Campo Pequeno, juntaram-se dezenas de toureiros e aficionados para dar sangue e, de seguida, fazerem uma exposição a favor da festa brava. Acusam "lobbies" internacionais, poderosos dos pontos de vista político e financeiro, de quererem destruir parte da cultura nacional transformando Portugal em mais um país do Norte da Europa.

"Há lobbies internacionais muito poderosos, quer financeira quer politicamente que, a partir de Bruxelas, querem prejudicar o espectáculo tauromáquico. Nós não somos uma minoria. Somos mesmo o segundo espectáculo nacional, logo a seguir ao futebol, que mais bilhetes vende. Deixem-nos continuar a ser o que sempre fomos", disse ontem, no Campo Pequeno o presidente do grupo tauromáquico Sector 1, Vitor Escudero, durante um encontro de toureiros, aficionados e tertúlias.O primeiro resultado do encontro, que juntou algumas dezenas de adeptos da festa brava, foi a constituição de um grupo de dadores de sangue. "Isto [dar sangue] nem sequer é uma iniciativa inédita, pois tanto o Sindicato Nacional dos Toureiros Portugueses como o Fundo de Assistência já promoveram idênticas campanhas", disse Vitor Escudero. O presidente do Sector 1 - que tem como lema "Pró-Toiros de Morte" - disse depois que dar sangue é apenas mais uma prova de solidariedade dos aficionados.A solidariedade foi pois o mote de um discurso que, no seu objectivo final, pretende defender a tradição taurina em Portugal. "Ninguém se pode esquecer que no nosso país 92 por cento das praças de touros pertencem às Misericórdias. Esta [o Campo Pequeno] é um exemplo disso, pois é propriedade da Casa Pia. O aluguer destes espaços é, portanto, uma importante fonte de receita para as instituições que não têm fins lucrativos e que contribuem, entre muitas outras coisas, para ajudar a florescer escolas, lares, associações de bombeiros, etc.", acrescentou Vitor Escudero."Os toureiros actuam muitas vezes de borla, a favor de causas sociais, mas não parece que o mesmo se faça em relação ao futebol, ao ballet ou à ópera. Não se metam connosco. Dêem-nos o direito à diferença e não nos chamem bárbaros, porque não o somos. Somos úteis à sociedade, pois trabalhamos, representamos uma cultura popular e tradicional e pagamos impostos", disse ainda o presidente do Sector 1.O encontro de ontem simbolizou, igualmente, uma tomada de posição contra o projecto-lei da deputada socialista Rosa Albernaz que, recentemente, entre outras medidas, sugeriu que as touradas em Portugal fossem interditas a menores de 14 anos e que fossem proibidas as praças de touros desmontáveis."A festa dos touros em Portugal nunca estagnou. A prova disso é que todos os anos se realizam centenas de espectáculos no país e, embora existam zonas, como a região Oeste, o Ribatejo, o Alentejo e os Açores, onde são em maior número, a verdade é que está em expansão pelo resto do país. O recurso a praças desmontáveis e a construção de outras são a prova disso", afirmou ainda o presidente do Sector 1.A defesa da festa brava não se ficou, no entanto, a cargo de Vitor Escudero. Ontem, no Campo Pequeno, marcaram presença, entre várias figuras do toureio a cavalo, apeado e forcados, o presidente do Sindicato Nacional dos Toureiros Portugueses, Francisco Núncio, que na sua intervenção chamou a atenção para o facto de as touradas e a criação de animais representarem para o país "uma fonte de receitas muito importante, até do ponto de vista turístico, e também porque associado aos touros está a divulgação e comercialização do cavalo de raça lusitana" e ainda a manutenção de centenas de postos de trabalho.João Santos Andrade, presidente da Associação Portuguesa de Touros de Lide disse, por sua vez, que em Portugal existem actualmente cerca de 100 ganadarias a criar, anualmente, 2500 animais. "Estou apreensivo com os ataques que se estão a fazer à tauromaquia, porque se está a esquecer que esta é uma actividade que, contabilizando o trabalho que fornece, movimenta milhões de contos por ano", disse.Diamantino Viseu, o primeiro matador de touros português e actual presidente do Fundo de Assistência dos Toureiros Portugueses, não se quis pronunciar acerca dos ataques que têm vindo a ser desencadeados contra o sector tauromáquico. "Se o fizesse teria de ser bruto, e não quero. Portanto o melhor é não falar", e mais não disse.Outra figura que marcou presença no encontro de ontem foi o presidente da Fencaça - organização que representa os caçadores das zonas associativas -, Jacinto Amaro. "Sou um apoiante incondicional da festa brava e faço um apelo para que todos os aficionados se unam contra aqueles que, de forma maléfica, a querem marginalizar", disse.Jacinto Amaro deixou ainda um recado final aos políticos, declarando que "alguém no Parlamento, pago por todos nós, em vez de defender as nossas tradições parece mais interessado em destruir a nossa forma de estar. Por este andar, qualquer dia somos um país do Norte da Europa".Os organizadores do encontro de ontem afirmaram ainda que não têm planeada mais nenhuma iniciativa em defesa das touradas - "o que queremos é que venha o Sol, para podermos ir para as praças" - mas a verdade é que para este fim-de-semana, sobretudo no Ribatejo e região Oeste, estão marcados encontros de tertúlias e profissionais.

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