Crime sem castigo, 23 anos depois

O atentado bombista que, em 2 de Abril de 1976, na Cumieira, perto de Vila Real, provocou a morte do sacerdote Maximino Sousa (padre Max) e da estudante Maria de Lurdes vai permanecer impune, provavelmente para sempre. Pela segunda vez, os quatro arguidos do processo - Rui Castro Lopo, Alcides Pereira, Válter Santos e Alfredo Vitorino - foram absolvidos, por falta de provas.Ontem, o colectivo de juízes do Tribunal de Vila Real invocou as mesmas razões que alegara em 5 de Maio de 1997 para ilibar os acusados. O primeiro acórdão, recorde-se, foi posteriormente anulado pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que, embora mantendo toda a prova produzida, obrigou à leitura em audiência dos depoimentos feitos durante a fase de instrução pelo ex- editor Paradela de Abreu.Durante o julgamento, o colectivo não tinha autorizado a divulgação dos referidos testemunhos. Da leitura dos depoimentos e da inquirição de uma nova testemunha, Pedro Serradas Duarte, ex-chefe de pesquisa da Divisão de Informações Militares (Dinfo), não resultaram, no entender do Tribunal, elementos susceptíveis de alterar o teor do primeiro acórdão. Agora como em Maio de 1997, o colectivo presidido por Pinto Monteiro não ficou convencido da inocência dos arguidos, mas, na dúvida, absolveu-os. Porque "não foi produzida prova que permita, com o grau de certeza que o juízo da culpabilidade coenvolvido na condenação penal exige, concluir-se que tenham sido os réus, enquanto membros do MDLP [Movimento Democrático de Libertação de Portugal], a planear, preparar e executar o atentado". Para os magistrados, os indícios que atribuíam aos quatro acusados a autoria do duplo homicídio "não se revelaram suficientes para o tribunal formar uma convicção firme quanto à responsabilidade dos réus". A decisão do Tribunal não constituiu uma surpresa para a acusação. A absolvição dos arguidos era esperada, a única dúvida estava em saber se o colectivo iria aceitar o repto lançado pelo advogado dos familiares das vítimas, Brochado Coelho, para que a sentença assumisse um cunho pedagógico. Mas os magistrados não aceitaram o desafio e limitaram-se praticamente a repetir o acórdão de Maio de 1997.Mesmo assim, Brochado Coelho não era um homem abatido. "O essencial foi conseguido: apurou-se a verdade. Faltou apenas determinar a responsabilidade individual", disse ao PÚBLICO, recordando que, na história judicial portuguesa, há muitos crimes que tiveram desfecho semelhante. O advogado já se deu por contente pelo facto de o tribunal ter dado como provado que os quatro arguidos "pertenceram ao MDLP, fundado por António de Spínola e Alpoim Calvão", e que este movimento "visava o derrube pela luta política armada do Governo e das demais instituições de natureza política emergentes da Revolução de 25 de Abril". Pela primeira vez, aquele movimento de direita saído do 11 de Março de 1975 surge retratado como tendo sido mais do que "uma mera acção psicológica", conforme afirmou em tribunal Alpoim Calvão.Só por isto, Brochado Coelho não lamenta ter gasto 23 anos da sua vida com este caso. "Não estou nada arrependido, pelo contrário", garante o causídico, que não põe de lado a possibilidade de recorrer mais uma vez da sentença, embora sublinhe que "ninguém quer prolongar isto de uma forma artificial".Essa é também a opinião do procurador Paulo Sá, que só tomará uma decisão depois de analisar pormenorizadamente o acórdão. Mas tudo leva a crer que a acusação vai deitar a toalha ao chão, convencida de que o peso dos anos inviabiliza qualquer condenação. Vinte e três anos depois, o assassínio do padre Max e da estudante Maria de Lurdes pode estar a caminho de entrar para a História da justiça nacional como mais um crime sem castigo.

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