ONU encerra hoje delegação de Lisboa

A delegação de Lisboa do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados fechou. Por motivos orçamentais, uma organização que há 21 anos dá apoio aos refugiados em Portugal passa o testemunho a uma ONG nacional.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) encerra hoje a sua delegação de Lisboa. Ao cabo de uma presença de 21 anos, o balanço do seu actual presidente, o chileno Carlos Rodriguez, é "misto": a par da satisfação pela criação de mecanismos legais que julga adequados, fica a frustração com a falta de regulamentação da lei do asilo. Em consequência desta lacuna, continua a descoberto a assistência social ao refugiado, que vai desde o acesso à saúde até à inexistência de centros de acolhimento, previstos desde 1993. "Não há uma política articulada e coerente de assistência e apoio social aos refugiados", diz, "há remendos pontuais". Rodriguez lamenta que o mecanismo da "partnership in action", que põe à mesa os vários ministérios, ONG (organizações não governamentais) e ACNUR, tenha sido pouco explorado. "Em Portugal, muitas vezes, o braço direito não sabe o que está a fazer o esquerdo". Em resumo, em matéria de asilo, "Portugal não é nem o Céu nem o Inferno".Carlos Rodriguez esteve à frente do escritório de Lisboa de 1981 a 1984, e de 1997 a 1999. Portugal é a primeira delegação europeia a fechar. O presidente da delegação portuguesa explica que este e outros cortes fazem parte de uma estratégia de diminuição da presença do organização na Europa Ocidental, que pretende delegar gradualmente o apoio aos refugiados em ONG nacionais. Um factor que pesou na escolha do país foi o baixo número de requerentes de asilo."Portugal é pouco atractivo, porque os benefícios são poucos: os subsídios são baixos e as estruturas de acolhimento fracas", afirma. O orçamento do ACNUR já atingiu mil milhões de dólares, hoje são menos de 900 milhões de dólares. Carlos Rodriguez explica-o pelo cansaço dos doadores, que contribuem cada vez menos. O problema dos refugiados, que em 1951 [quando foi criado o ACNUR] se julgava ser transitório, eternizou-se no tempo. O mandato inicial era de três anos, mas foi sendo renovado por períodos de cinco anos. Na altura, existia um milhão de refugiados no mundo, hoje são 22 milhões. Carlos Rodriguez pensa que este é um problema sem solução à vista e os países demonstram alguma fadiga.Na sua opinião, nos países da União Europeia, a diminuição de contributos deveu-se aos esforços para a adesão ao euro, que obrigaram a uma grande ginástica orçamental. Há mesmo países que põem em causa a própria existência de uma instituição como o ACNUR que implica grandes gastos. "Há quem defenda contribuições dirigidas, feitas, por exemplo, a nível bilateral".O encerramento da delegação portuguesa estava programado há alguns anos. Desde1997 que o atendimento ao refugiado passou para o CPR (Conselho Português de Refugiados), ONG portuguesa nascida em 1993, que durante os primeiros anos foi financiada a cem por cento pelo ACNUR, que continuará a ser uma das fontes de financiamento. Uma das atribuições que passa para esta instituição é a sobrevivência do requerente de asilo nos primeiros cinco dias de permanência em Portugal. A história do ACNUR em Portugal recua ao período do pós-25 de Abril de 1974, quando chegavam a Portugal refugiados fugidos das ditaduras da América Latina, juntando-se aos milhares de retornados das ex-colónias. O escritório em Lisboa abriu em 1977.Apesar do que fica por fazer, o grande objectivo foi atingido, diz Carlos Rodriguez. A organização bateu-se pela criação um marco jurídico. Apesar de Portugal ter ratificado a Convenção de Genebra em 1951, a primeira lei do asilo surge apenas em 1980. "Depois da lei de 1993, bastante restritiva, o texto da lei de 1998 é consensual. O ACNUR e o CPR foram ouvidos, mas o asilo continua a não ser prioridade política", comenta. Durante 28 anos ao serviço do ACNUR, Carlos Rodriguez mudou de posto cerca de 20 vezes. Passou por Angola, África do Sul, Ruanda, Argentina. O encerramento definitivo da delegação de Lisboa deixa-o com futuro incerto. Numa altura em que os cortes orçamentais na organização obrigam a restrições de pessoal, espera-o um novo posto ou a reforma. Para já, o regresso ao Chile, onde já não vive há mais de 20 anos. "Eu próprio sou um deslocado", diz.

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