Modalidades, modelos e avaliações no teatro

O que a pandemia trouxe de mal, pode ser também vertido numa oportunidade: sem a pressão de amanhã (graças às medidas de excepção adoptadas), é momento de rever (quase) tudo.

As modalidades, modelos e avaliações para apoios ao Teatro, da parte do MC/DGArtes, têm gerado, anos atrás de anos, crescentes contestações e uma enorme insatisfação. Mas pior: dificultado a própria Criação e arruinado a sua Produção. Aliás, que os mesmos carecem de ser alterados é coisa de que já nem a própria tutela tem dúvidas. Tanto assim que um projecto de nova legislação está em fase de consulta pública. Todavia, tendo sido elaborado antes da pandemia, devia ser totalmente refeito a partir das ilações a tirar dela, cuja deixou a nu a calamidade das práticas dos últimos 15 anos ou mais. É estribado nessa inegável constatação, que tenho para mim que se tornou evidente a necessidade desse enfoque distinto e geral.

Assim, sendo imperiosa a preservação da margem para o acaso da Criação Artística em particular, e da Cultura em geral – ou até por isso –, é fundamental definir uma política estruturante. Esta característica que lhes é imanente convoca a isso mesmo. A transparência e objectividade de critérios é o que mais pode libertar a Criação Artística para se realizar em plena Liberdade. Foi isso exactamente o que defendi e defini como um contributo para a Criação responsável de massa crítica e liberdade de criação artística em artigo aqui publicado.

É nesse sentido também que deve ser entendido porque é necessário fazer assentar um tecido produtivo teatral de Serviço Público num Eixo Central, cujas circunstâncias concretas, aconselham a ser realizado através de Acordos de Programação por convite às estruturas para realizar O que é mesmo estruturante numa política teatral. E esta política, uma nova política, para o ser, tem de dosear o que foi com o que quer que seja, mas, sobretudo, não pode permitir que se destrua o que resta. Por isso mesmo, esses Acordos de Programação devem ser transversais e justificam, em vários casos, o convite para os demais Grupos que aqui se expõem, no que mais não é do que um mero exercício exemplificativo. Aliás, as duas coisas complementam-se. Só com mais outras formas de apoio e apoio a outras formas, se conclui uma acção estruturante no todo e na pluralidade dos projectos, pela natureza das próprias unidades de produção e pela criatividade dos autores do objecto artístico. É sobre isso que me proponho agora deter:

Grupo Zero: Aquele em que não se identificam e não cabem todos os demais projectos e programas a que se reconhece o interesse de Serviço Público pelo facto de serem inovação e/ou singularidade. É, de certo modo, o que se pode considerar Projectos de Autor, ainda que todos os demais tenham autoria e personalidade própria, enquanto Arte. Grupo I: Estruturas históricas de natureza diversa que não reúnam (ainda) condições para integrar o tal Eixo Central, mas se configurem em projectos nesse sentido, com estruturas com 12 ou mais anos de existência. Grupo II: Programas idênticos de estruturas com menos de 12 anos. Grupo III: Projectos de Pesquisa, com mais de 6 anos de actividade.  Grupo IV: Programas para a Infância e Juventude, com 6 ou mais anos de actividade. Grupo V: Marionetas, formas animadas e sombras, com 6 ou mais anos de actividade. Grupo VI: Teatro Físico e de Pantomima, com 6 ou mais anos de actividade. Grupo VII: Projectos Emergentes de estruturas ou criadores com menos de 6 anos de actividade, mas mais de 2 de exercício da profissão de, pelo menos, 80% das suas equipas [Menos do que isso parece indevido para poder ser avaliado. O que não quer dizer a exclusão de apoios e integração. Em “A emergência da ilusão e a ilusão das emergências”, disso falei; mas completo-o com uma proposta, de médio ou longo prazo, no próximo artigo que aqui escreverei]. Grupo VIII: Festivais, encontros e similares. Grupo IX: Projectos de Cruzamento com outros Ministérios, os quais deverão, naturalmente, ter igualmente avaliadores em Comissão Mista.

N.B.: Nesta enunciação não incluí a Descentralização por considerar que nela se plasmam igualmente os critérios dos diferentes Grupos, até na prática, maioritariamente, as estruturas existentes reconduzem-se ao tal Eixo Central.

A avaliação deve considerar de forma prevalecente um período de análise do histórico (e dos curricula), feito fundamentadamente pelos próprios Serviços do Ministério, reciclados em formação para constituírem um Grupo de Trabalho de Registo de Dados e Acompanhamento do mesmo. Não na secretaria apenas, mas, muito mais, no terreno. Só assim se porá fim à avaliação na base de afirmações abstractas, não comprovadas, nem comprováveis. E mais ainda: à proposição da natureza e características de cada Grupo supracitado serem diferenciadas, há-de corresponder uma avaliação própria para cada um, que se valorize relativamente à avaliação geral. Melhor se essa constituição de cada Júri de Grupo resultar de uma escolha escrutinada pelos candidatos, ou, no mínimo, por eles validada na designação. Mais justo, mais pacífico e mais qualificado será o processo.

Uma Comissão Geral de Avaliação Final deve servir (apenas e muito) para uma equalização de proporcionalidades aceitáveis. Mas para ser crível jamais se pode constituir um Júri na base de uma vaga e imprecisa condição de “pessoas de reconhecido mérito”. As decisões não podem depender dos jurados A ou B. Cada um pode reconhecer ou preferir o mérito de X ou Y. Por isso, a par das competências objectivas exigidas para se ser jurado, é útil a representação de instituições integrantes do sector. Sem ser exaustivo, nem afirmar que são estas, exemplifico: Escolas Superiores de Ensino Teatral, Centros de Estudos e de Investigação Teatral Universitários, Sindicatos e Plataformas, Sociedade Portuguesa de Autores, Fundação Gestão dos Direitos dos Artistas, Museu Nacional do Teatro e da Dança.

Ademais, é oportuno criar um sistema de entrevista presencial (co-presencial ou por via de plataforma digital) com os candidatos, como também acontece em outros concursos destas áreas e natureza. É mesmo peça-chave num processo dialéctico que ajuda a uma interacção para a compreensão das propostas do candidato e para a justificação das decisões a tomar pelos jurados. Sendo os recursos sempre limitados, por mais reforçados que sejam (e têm de o ser e muito), é fundamental encerrar de vez os nefastos e contraditórios vícios. Até como modo concorrente para evitar o descalabro Da ineficiência da pulverização das verbas para o teatro.

O que a pandemia trouxe de mal, pode ser também vertido numa oportunidade: sem a pressão de amanhã (graças às medidas de excepção adoptadas), é momento de rever (quase) tudo. O corpo do que tem havido está gangrenado, evite-se uma septicemia. Ele foi um duplo F. de Falhado e de Fraudulento. Não há situações, questões ou temas, por mais complexos que sejam, que não tenham alternativa. Mais ainda se em Democracia, mais ainda se de Cultura se trata. E neste caso trata-se mesmo de devolver o valor da Democracia à Cultura e a Cultura à Democracia. Com um duplo F, de Faz Falta.

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