“A Europa social é o coração da presidência portuguesa” da UE

Para a preparação e organização da presidência rotativa da UE, o Governo destinou até 23 milhões de euros em 2020 e, em 2021, 41,3 milhões de euros do orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros

Foto
António Costa com Ursula Von der Leyen Reuters/POOL

A pandemia condiciona o programa e domina a agenda da presidência portuguesa da União Europeia (UE), com os 27 apostados na recuperação de uma crise económica cujos efeitos sociais reforçam a prioridade de Lisboa ao modelo social europeu. “A Europa social é o coração da presidência portuguesa”, assumiu fonte governamental, frisando a ideia de um reforço do modelo social europeu como resposta à crise e como factor de crescimento.

A quarta presidência portuguesa inicia-se em Janeiro com a Europa confrontada com uma segunda fase da pandemia de covid-19 possivelmente mais grave do que a primeira e a perspectiva de um prolongamento dos efeitos da crise económica provocada pelos confinamentos da primeira vaga.

A presidência portuguesa “surge num momento crucial”, pois a pandemia, que provocou a maior crise na Europa desde a II Guerra Mundial, “ainda não acabou e a recuperação está ainda numa fase inicial”, disse a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, numa entrevista à Lusa no final de Setembro.

A resposta da UE à pandemia causada pelo novo coronavírus dominou a presidência alemã, no segundo semestre de 2020, com o acordo histórico alcançado em Julho pelos líderes europeus sobre o Quadro Financeiro Plurianual para 2021-2027 e o Fundo de Recuperação a ele associado, num valor total de 1,82 biliões de euros.

As negociações com o Parlamento Europeu, que tem de aprovar o orçamento, ainda não estão fechadas, mas há progressos e o Governo tem afirmado esperar que haja acordo até ao final do ano.

Caberá então à presidência portuguesa a “tarefa absolutamente essencial”, nas palavras do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, de começar o longo e complexo trabalho da sua implementação.

Será da presidência a responsabilidade de alcançar a maioria qualificada dos 27 necessária para aprovar os planos nacionais dos Estados-membros para a libertação da primeira "tranche” de empréstimos e subvenções do Mecanismo Europeu de Recuperação e Resiliência.

O “Brexit” é outro “dossier” que vai ter um forte impacto na presidência, sobretudo se não for concluído até 31 de dezembro o acordo sobre a relação futura entre a UE e o Reino Unido.

A condução da negociação cabe à Comissão Europeia, mas a incerteza e as consequências de um eventual “no deal” têm reflexos em todas as dimensões.

Desde logo porque, sem acordo, as relações económicas passam a reger-se pelas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), que implicam a imposição de tarifas aduaneiras no comércio entre o Reino Unido e a UE.

Mesmo que um acordo seja alcançado, o “Brexit” continuará a impor-se à presidência, que terá de conduzir as negociações com Londres em áreas como a justiça, a defesa, a circulação de pessoas, transportes ou segurança alimentar, entre muitas outras.

Estas condicionantes impõem-se ao programa da presidência, concertado pelo trio composto pela Alemanha, Portugal e a Eslovénia, que presidem sucessivamente ao Conselho da UE entre 1 de Julho de 2020 e 31 de Dezembro de 2021.

“O programa do trio pode ser sintetizado numa frase: ter em conta as prioridades estratégicas da União Europeia, com a consciência do profundo choque causado pela covid-19 e os seus efeitos sociais e económicos e, por isso mesmo, tendo também o sentido da urgência de agir”, afirmou.

“O foco” e “o coração” da presidência portuguesa vai ser a Europa Social, com uma Conferência e um Conselho Europeu informal, a 7 e 8 de Maio, no Porto, como “momento alto”.

O objectivo é aprovar um plano de acção que concretize os direitos proclamados no Pilar Europeu dos Direitos Sociais (2017), o que passa pelo debate sobre um salário mínimo europeu, o mecanismo de resseguro de subsídios de desemprego, a garantia para a infância e juventude ou a igualdade de oportunidades e de acesso ao mercado de trabalho.

“É muito importante que os europeus compreendam que o seu modelo social é a melhor arma que possuem para assegurar uma transição bem sucedida em matéria de transformação digital da economia, do pacto verde, de transição energética”, afirmou Santos Silva numa entrevista à Lusa em Julho.

“Tópico fundamental” da presidência portuguesa vai também ser, segundo o Governo, a relação com África.

Foi Portugal que lançou a I Cimeira UE-África (Cairo 2000), desenvolveu a difícil negociação para a II Cimeira (Lisboa, 2007) e, agora, face à impossibilidade de se realizar nova cimeira na presidência alemã devido à pandemia, afirma o seu empenho em contribuir para a sua realização em 2021.

Ainda na vertente externa, Portugal vai organizar uma Cimeira UE-Índia, na qual espera desbloquear as negociações económicas, suspensas desde 2013, e abrir caminho a uma nova agenda de cooperação para a Parceria Oriental.

Logística “refém” da evolução da pandemia

A logística da presidência portuguesa da União Europeia (UE) está a ser planeada para diferentes cenários de evolução da pandemia, que determinará nomeadamente se quase duas dezenas de reuniões de alto nível se realizam presencialmente ou por videoconferência.

O mesmo aconteceu com as presidências croata, no primeiro semestre de 2020, e alemã, no segundo semestre, em que a progressão do novo coronavírus na Europa obrigou a que muitas reuniões se realizassem por videoconferência ou fossem adiadas.

A diferença não está apenas no acto físico de os responsáveis se sentarem frente ao computador ou à volta da mesa uns com os outros. As reuniões à distância têm “implicações fortíssimas”, ao nível das próprias agendas das reuniões, que têm de ser “mais concentradas nas questões principais”, explicou fonte governamental.

Nas reuniões físicas tem de ser definido o número de participantes e a dimensão das salas para assegurar o distanciamento social e outras regras de protecção, aplicáveis também, por exemplo, ao centro de imprensa ou mesmo ao “catering”.

Já as reuniões por videoconferência implicam a mobilização de todos os meios técnicos que permitam a realização dos encontros nas melhores condições possíveis, assim como as conferências de imprensa ou transmissões em directo.

Se a pandemia de covid-19 permitir, a presidência portuguesa tem previstas reuniões em Braga, Coimbra, Évora, Lisboa, Porto, Vilamoura, Açores e Madeira.

Para a preparação e organização da presidência rotativa da UE, o Governo destinou até 23 milhões de euros em 2020 e, em 2021, 41,3 milhões de euros do orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Mais de cinco milhões são para o arrendamento do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, onde vai ser instalada a sede da presidência. Situado junto ao rio Tejo, o CCB começou a ser construído em 1988 precisamente para acolher, em 1992, a primeira presidência portuguesa do então Conselho das Comunidades Europeias.

Sugerir correcção
Comentar