De luvas e máscara, “como sempre”, tatuadores têm “tudo pronto para abrir”

Os tatuadores dizem-se “esquecidos” no meio de planos de reabertura que ainda não os contemplam. “Temos as condições todas para reabrir porque lidar com doenças infecto-contagiosas já era o nosso dia-a-dia”, garantem. “Em teoria, os tatuadores têm regras de assepsia mais exigentes que os cabeleireiros”, diz epidemiologista.

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nelson garrido

As agulhas estão pousadas há mais de dois meses e os tatuadores não percebem porque é que não podem ainda pegar nelas. “Temos as condições todas para reabrir porque lidar com doenças infecto-contagiosas já era o nosso dia-a-dia”, começa por dizer Beatriz Sousa. “Acho que estamos ou esquecidos ou discriminados e muito mal entendidos por estarmos inseridos no mesmo anexo dos solários, spas e termas, com quem nunca tivemos qualquer tipo de semelhança.”

Tal como outros profissionais do sector com quem o P3 falou, a dona de um estúdio de tatuagens em Braga aponta o “desconhecimento” sobre o quotidiano destas empresas como razão de ainda não terem data prevista de abertura em Portugal continental e nos Açores. Na sexta-feira, 22 de Maio, duas dezenas de profissionais do sector uniram-se em vigília junto à câmara do Porto para reivindicar o regresso ao trabalho. Na mesma cidade, alguns estúdios abriram portas ao PÚBLICO, esta fim-de-semana. Os “serviços de tatuagem e similares, designadamente implantação de piercings”, estão no mesmo ponto das “termas e spas ou estabelecimentos afins, bem como solários”, no anexo da resolução do Conselho de Ministros que agrega as instalações e estabelecimentos que ainda não têm data prevista de abertura e que deu luz verde a cabeleireiros e serviços de estética, a quem os tatuadores se julgavam equiparados.

“A abertura dos estabelecimentos obedeceu a um plano e esse plano foi faseado. Portanto, estes estabelecimentos terão também a sua altura própria para serem integrados na retoma, de acordo com o que for considerado prioritário”, esclareceu a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, na conferência de imprensa de 19 de Maio sobre a situação epidemiológica em Portugal. “Fazemos um serviço que não é um bem de primeira necessidade. Mas nós, enquanto profissionais e indivíduos, temos primeiras necessidades”, expõe Mauro Amaral, membro do grupo de trabalho que se apressa para constituir formalmente a Associação Portuguesa de Profissionais de Tattoo e Bodypiercing.

“Não vejo nenhuma razão para que seja diferente” [dos cabeleireiros e outros serviços de estética], responde ao P3 Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública. “Em teoria, os tatuadores têm regras de assepsia mais exigentes do que os cabeleireiros.” O epidemiologista no Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge enumera alguns cuidados que devem ser assegurados, e que os profissionais do sector já tinham delineado: assegurar a não permanência de mais do que um cliente, “tal como os cabeleireiros agora com as marcações, a utilização de máscaras por todos e, eventualmente, reduzir o tempo de exposição e de permanência de cada cliente”, aponta. “Até diria que alguém que esteja, por exemplo, a tatuar uma perna terá maior facilidade em manter um distanciamento do que alguém que esteja a cortar cabelo.”

Depois de saberem que não estavam autorizados a reabrir a 4 de Maio, o grupo formado em Setembro de 2019 para “criar regras e transmitir a entidades governamentais conhecimento” sobre o funcionamento do sector procurou aconselhamento jurídico e começou a endereçar cartas para os ministérios da Economia e da Saúde e autoridades governamentais como a DGS e a ASAE. “Se existisse legislação baseada nas noções daquilo que é o nosso dia-a-dia como tatuadores, provavelmente teríamos aberto dia 4”, acredita o tatuador com morada na Praia da Rocha, em Portimão. “Quando soubemos que a 18 não abríamos, muitos entraram mesmo em ponto de ruptura. Para tentar chegar até dia 1, há pessoas a vender bens e a tentar outras soluções fora da área.”

Eduardo Fernandes pousou máquinas e a 10 de Março fechou as portas do negócio de família em Braga onde o irmão é bodypiercer a esposa faz remoção a laser e trabalha na recepção. “Por iniciativa própria e quase de forma automática os estúdios fecharam a porta”, garante. Preparou o estúdio para abrir em Maio, mas, depois de duas falsas partidas, continua "sem perspectivas de abertura”. “O que estamos a tentar entender é o porquê de não podermos trabalhar, tirando a questão de dizerem que não é um bem essencial.”

Foi esta pergunta que deixou em aberto num vídeo curto onde surge de “máscara e luvas, como sempre” trabalhou, e com viseira, avental e mangas de protecção, desde que a pandemia de covid-19 obrigou a medidas reforçadas de segurança e higiene. “Não foi preciso isto acontecer para nós começarmos a ter estas medidas como prioridade”, diz, enquanto mostra as cadeiras cobertas de plástico descartável e os materiais esterilizados por autoclave (o aparelho de pressão de vapor usado na esterilização de instrumentos cirúrgicos e afins). “Mesmo assim, colocaram-nos num grupo de estabelecimentos com práticas nada semelhantes às nossas e com data de abertura indefinida.” A pergunta que todos fazem é deixada para o final: “Se sempre tivemos e continuamos a ter as condições necessárias, então porque é que não nos deixam trabalhar?”

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