Rui Pato, viola de José Afonso e Adriano, tem um concerto-tributo em Lisboa

É um concerto de homenagem, mas com ele sempre no palco, a tocar. Com Rui Pato, o homenageado, estarão o grupo Raízes de Coimbra, António Ataíde, João Afonso, Rogério Pires e Francisco Fanhais. Este sábado, no Fórum Lisboa, às 17h.

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Rui Pato em sua casa, em Coimbra ADRIANO MIRANDA

Muitos hão-de conhecê-lo por ter sido o primeiro viola de José Afonso ou ter tocado e gravado com Adriano Correia de Oliveira. Mas a actividade artística de Rui Pato estendeu-se também à canção coimbrã, acompanhando vários outros músicos ou até gravando em nome próprio – e dele se conhecem dois EP, Rui Pato Interpreta em Viola José Afonso (1965) e Ilha Nua (1966). Este sábado, por iniciativa da Associação José Afonso (AJA, da qual Rui Pato é vice-Presidente da Mesa da Assembleia Geral), haverá em Lisboa um Concerto-Tributo em seu nome, e onde Rui Pato estará acompanhado pelo grupo Raízes de Coimbra e pelos cantores António Ataíde, João Afonso, Rogério Pires e Francisco Fanhais. Será no Fórum Lisboa, às 17h.

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Os dois EP gravados por Rui Pato a solo, em 1965 e 1966

Nascido em Coimbra em 1946, Rui de Melo Pato aprendeu viola de modo autodidacta desde muito novo, vindo mais tarde a frequentar aulas de viola na escola de José Duarte Costa, em Coimbra. Foi ainda estudante que começou a tocar viola com regularidade, em casa do também estudante (e guitarrista) António Portugal. Aos 16 anos, em 1962, iniciou estreita colaboração com José Afonso, acompanhando-o pela primeira vez à viola na gravação do EP Baladas de Coimbra (1962), com Menino d’oiro, Tenho barcos tenho remos, No lago do breu e Senhor poeta. A foto da capa e as notas da contracapa eram do pai de Rui, Albano da Rocha Pato.

“Enchi-me de coragem e…”

“Na altura em que o conheci, o Zeca já estava formado e a leccionar em Mangualde”, diz Rui Pato ao PÚBLICO, dias antes do concerto. “Ele já tinha deixado de cantar fados em Coimbra e compôs umas coisas novas, diferentes. Então como os amigos dele eram daqui, tudo gente de Coimbra, ele decidiu vir à Brasileira mostrar as suas coisas aos amigos do seu grupo, da sua tertúlia. Mas precisava de uma viola, e não havia viola no café. Então o meu pai, que fazia parte daquele núcleo, disse que se quisessem podiam ir a casa dele, porque tinha um filho que tocava viola.

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O primeiro disco que José Afonso gravou com Rui Pato, em 1962

E eles lá foram. Vieram todos a minha casa, o Zeca [como era conhecido José Afonso entre os amigos, num diminutivo que depois viria a generalizar-se] esteve a mostrar as suas canções, e nessa altura eu reparei que havia muitos erros nas harmonias, nos ritmos, naquilo tudo, porque ele era um bocado podão [inábil] a tocar viola.” Aqui, o jovem Rui Pato arriscou: “Enchi-me de coragem, pedi a viola e comecei a fazer o acompanhamento em viola clássica, com modelo dedilhado, que não era muito comum, porque a viola servia apenas para acompanhamentos de ritmo batido. Ele adorou e disse que era mesmo assim que ele tinha pensado, que ele gostava.”

Um castigo, pela greve de 69

Foi assim que começaram. “Veio a primeira gravação, a segunda, a terceira, e acabei por gravar com ele perto de 50 temas [em 10 discos, 6 EP, um single e 3 LP]. Sou eu apenas a acompanhar e a fazer os arranjos.” Isto nos LP Baladas e Canções (1964) e Cantares do Andarilho (1968), já que em Contos Velhos, Rumos Novos (1969), o último trabalho da fase inicial de José Afonso em que Rui Pato participou, participaram mais músicos. Como José Afonso disse, em carta enviada ao seu irmão João Afonso dos Santos, em 31/7/1970: “Gravei um disco com bombo, cavaquinho, gaita-de-beiços, marimbas, reco-reco e lampião chinês. A coisa é nova para matar definitivamente a choradeira das baladas.” Mas voltaria à viola, no disco seguinte.

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Rui Pato (viola) com Adriano Correia de Oliveira (a cantar) e António Portugal (na guitarra). À direita, de pé, está José Afonso DR

Só que não o fez com Rui Pato, que em Traz Outro Amigo Também (1970) viu a sua viola ser substituída pela de Carlos Correia (Bóris). Motivo: Rui Pato participara na greve estudantil de 1969, em Coimbra, e estava impedido pela PIDE de sair do país. E o disco ia ser gravado em Londres, nos estúdios Pye. “Nem tentámos”, diz Rui Pato. “Eles castigaram-me, expulsaram-me da universidade e incorporaram-me no serviço militar. Era 1969, altura da guerra colonial, eu tinha interrompido o meu curso de medicina à força e era oficial de cavalaria. E obviamente não me deixavam tirar passaporte.” Estava para ser mobilizado para África, mas acabou por não ser. “Porque, entretanto, houve uma amnistia e, quando o ministro [da Educação] mudou, o reitor da Universidade de Coimbra disse que só aceitaria se amnistiassem os 49 estudantes castigados, e assim foi. Eu era um deles e, passado uns meses, voltei para terminar o curso.”

Nas trovas, com Adriano e Alegre

Com Adriano Correia de Oliveira, Rui Pato começou a trabalhar quando estavam os dois no serviço militar, destacando-se, entre outras colaborações suas, as dos LP O Canto e as Armas (1969, só com poesia de Manuel Alegre) e Cantaremos (1970). “Mas já o conhecia dos fados, porque ele aqui em Coimbra estava no grupo do António Portugal e eu também o acompanhava nessa altura.” A balada, porém, já se afastava do tradicional fado de Coimbra. Rui Pato lembra: “A essas primeiras coisas que o Adriano fez com o Portugal com letras do Alegre e em que eu também participei com a viola, os teóricos chamaram trovas. Por causa da Trova do vento que passa ou da Trova do amor lusíada. Era uma solução de compromisso entre aquilo que o Zeca estava a fazer, com letras comprometidas e ritmos diferentes, mas que alguma coisa ainda que ver com Coimbra, porque tinha guitarra, viola. Era uma terceira via entre as baladas e o fado. Mas quando o Adriano foi para a tropa, já não estava para fazer mais trovas com guitarras, por isso O Canto e as Armas e Cantaremos já são praticamente só com viola, à maneira do Zeca.”

Tirar a viola que estava debaixo da cama

Terminado o curso de medicina, a música abrandou. “Depois de me ter licenciado, em 1972, apenas acompanhei um grande guitarrista aqui de Coimbra que já faleceu também, o Francisco Martins, em dois discos. Porque ele também era médico, éramos colegas, não custava nada nós os dois de vez em quando ensaiarmos. Gravámos esses dois discos nos anos 80. E também voltei a tocar com o Zeca, porque ele me convidou para o concerto do Coliseu [de Lisboa, na noite de 29 de Janeiro de 1983]. Tirando isso, tinha a viola guardada debaixo da cama.”

Mas no concerto de sábado, em Lisboa, estará sempre no palco. E a tocar. “Vou levar os meus compagnons de route, um grupo de fados de gente já com provecta idade, Raízes de Coimbra, porque as minhas origens são o fado; depois vou levar o João Afonso, porque ele representa para mim uma extensão do Zeca [é seu sobrinho, filho da irmã do cantor]; depois o Fanhais, que é o nosso patrono da Associação José Afonso e meu grande amigo; e depois um cantor aqui de Coimbra, que é o António Ataíde. E fiz questão que ele fosse, porque foi ele fez com que eu tirasse a viola debaixo da cama. Quando me aposentei, não pensava voltar a tocar. E foi o Ataíde que uma vez veio ter comigo e lá me convenceu a voltar a tocar viola. Acompanhei-o numas canções do Zeca, as coisas tiveram sucesso e fizemos uma série de espectáculos.”

Isso foi em 2011, e desde então a viola de Rui Pato já não voltou para debaixo da cama. Este sábado, quem for ao Fórum Lisboa vai ouvir como ela soa – e quanta história ela tem.

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