Um supper club em Marvão? Sim, e serve petiscos pedidos

Chama-se Fago, nasceu na sala de um alojamento local e em breve vai transformar-se em restaurante.

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Daniel Boto recebe-nos junto ao portão da quinta e encaminha-nos até à antiga casa da avó, que entretanto transformou em alojamento local e que, durante as próximas horas, será palco do novo supper club dos Galegos, aldeia no concelho de Marvão. Por esta altura, os móveis da sala já foram encafuados no quarto e o que nos espera é um mini-restaurante: quatro mesas e lugar para 12 pessoas, que se vão somando ao calor da lareira.

Na casa ao lado, onde Daniel cresceu e para onde regressou quando “estoirou a história da crise”, é José Diogo Branco quem toma as rédeas da cozinha, confeccionando os sete petiscos pedidos desta noite no Clube Gastronómico Fago. “Mesmo que o prato seja o mesmo, ele inventa sempre qualquer coisa diferente”, comenta Daniel. Primeiro petisco? Focaccia de espelta e trigo integral, com pesto de castanha Marvão-Portalegre DOP.

Mas voltemos um pouco atrás. Um supper club numa pequena aldeia junto à fronteira? “Às vezes, diziam que não ia haver pessoas, que não há público [para este tipo de conceitos], mas a verdade é que já conhecemos aqui pessoas do concelho que nunca tínhamos visto. Simplesmente não nos cruzamos com elas porque não existem estes espaços.”

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O conceito tem-se provado um sucesso – as refeições estão sempre esgotadas e têm chegado pedidos de catering para festas privadas e novas propostas. Em breve, rumam a Lisboa, para um jantar n’A Sociedade. Num quadro de ardósia sobre a lareira, revelava-se a data do próximo jantar. “Ainda não anunciámos nas redes sociais e já temos nove reservas.”

A ideia surgiu há dois anos. “Começámos apenas como Clube Gastronómico, em que fazíamos noutro alojamento local, aqui também nos Galegos, numa vertente vegetariana”, conta José Diogo Branco. O antigo estudante de Medicina chegou ao período de estágios desiludido com o “ambiente de trabalho que se vive nos hospitais”. Na altura, estava a passar férias aqui, conhecia o Daniel do tempo em que ambos estudavam em Coimbra, e decidiu ir à Escola de Hotelaria e Turismo de Portalegre informar-se sobre os cursos disponíveis. “Disseram-me que ainda poderia inscrever-me e não olhei para trás”, conta agora. “Foi um virar bastante radical na minha vida.”

Entretanto, fez um estágio de cozinha em Copenhaga, no restaurante 108, do grupo Noma (uma estrela Michelin) e são as técnicas lá absorvidas que aplica desde Setembro no Fago, num menu de degustação construído a partir dos pedidos dos clientes. “Acho que as pessoas sentem-se mais envolvidas em todo o processo e vêm com outra expectativa, mais entusiasmadas.”

Um ingrediente preferido, um produto do qual que não se gosta ou um prato específico, tudo serve de inspiração ao menu. “Ao mesmo tempo que tento não defraudar as expectativas, também tento não ir ao encontro do que estavam à espera.” Num dos últimos jantares, por exemplo, o chocolate pedido por um cliente não foi aplicado numa sobremesa mas num taco mexicano com bochecha de porco.

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Muitos dos ingredientes e dos sabores seleccionados são típicos da região, mas a conjugação dos elementos, a forma como são preparados e apresentados aproxima-se mais de uma experiência de fine dinning. Como a alhada de cação, que chega ao prato embrulhada numa gyoza e mergulhada num caldo de urtigas e limão, aros de chalota e coentros. “Ou fazíamos o mesmo [que os restaurantes tradicionais fazem] e tinha de ser muito melhor, porque só assim faz sentido, ou fazíamos algo diferente, que esperamos que também seja bom, e que tenta, de certa forma, colmatar e diversificar a oferta existente.”

Enquanto José Diogo Branco cuida de todos os aspectos ligados à componente gastronómica, Daniel Boto, que é também director-executivo do Festival Internacional de Música de Marvão, é o anfitrião do projecto e chefe de sala, fazendo a ponte entre as mesas e a cozinha.

Em breve, contam transformar o clube gastronómico num restaurante na vila de Marvão. O nome vai manter-se: Fago, “um sufixo ou prefixo em português que significa ‘aquele que tem o hábito ou o regime alimentar de'”. “Queria um nome curto, que fosse estranho mas que, ao mesmo tempo, soasse português e depois é também um piscar de olho ao meu passado. Quando estudava Medicina, fago era um sufixo que aparecia em imensas palavras”, explica o chef.

Para o restaurante, que contam abrir ainda este ano (está dependente da aprovação de licenciamentos e candidaturas a financiamento), a ideia é transpor “esta intimidade que há aqui”, “das pessoas sentirem como se estivessem em casa”. O espaço não terá mais do que 20 lugares, com cozinha aberta e uma oferta que vai do pequeno-almoço ao jantar. Quanto aos petiscos pedidos, alguns podem transformar-se em pratos, mas José Diogo Branco assume que “seria muito difícil transpor esta ideia de jantar-evento numa base diária”. Não está, no entanto, afastada a hipótese de fazê-lo pontualmente.

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