Sufocados pelo formalismo

Depois de Os Olhos de Minha Mãe, Nicolas Pesce filma uma sitcom S&M estilizada com deslumbrante e rigoroso formalismo, mas sem alma nem coração.

Um formalismo tão sufocante que esvazia o filme de emoção ou sentido
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Um formalismo tão sufocante que esvazia o filme de emoção ou sentido
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Em conversa que com ele tivemos aquando da estreia em Portugal do seu primeiro filme, Os Olhos de Minha Mãe, Nicolas Pesce evocava Takashi Miike como um dos seus cineastas de cabeceira. Não é por isso casual que, para a sua segunda longa-metragem (de novo apadrinhada pela Borderline Films de António Campos e Josh Mond), Pesce tenha ido adaptar um romance de Ryu Murakami, o escritor que inspirou ao provocador Miike o infame Audition — Anjo ou Demónio. Aliás, as coordenadas de Piercing são muito semelhantes no tratamento da psicopatia, ou não falasse do encontro, num quarto de hotel, entre dois psicopatas: ele um jovem pai de família obcecado por matar uma prostituta, ela uma prostituta masoquista e imprevisível.

O encontro é filmado por Pesce de modo absolutamente inesperado, num misto lynchiano entre o Anomalisa de Charlie Kaufman, o recente Hotel Artemis e os gialli italianos, como uma espécie de sitcom S&M estilizada, uma dança bizarra entre desejos e fantasias a que os dois actores (Mia Wasikowska, a Alice de Tim Burton, e Christopher Abbott) se entregam com evidente prazer. Já sabíamos dos Olhos de Minha Mãe que o cineasta era um formalista rigoroso, Piercing confirma-o, mas confirma também que esse formalismo é tão sufocante que praticamente esvazia o filme de emoção ou sentido; fica apenas um exercício abstracto e teórico sem repercussões, como se o piercing a que o título se refere não passasse de um faz-de-conta que não deixa marcas.

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